Bedibê: casas cheias têm janelas-sorrisos

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Como é possível que uma sequência de blocos, recheados de cimento e vergalhões, possa, com o tempo, serem familiares e confortáveis? Uma casa, essa coisa geométrica e cartesiana, pensada de fora da cabeça, é puro plano: assim como uma construção ainda em andamento é fria. Quando pronta, o que a salva é a tinta de cotidiano que jogamos em suas paredes. Casas vazias têm janelas chorosas. São as panelas sujas na pia que fazem uma cozinha. É a bagunça de roupas na sua cama que faz seu quarto. É o disco tocando na sala que aquece o sofá. “América”, da Bedibê, pode ser esse disco que toca ou a tinta da parede.

O grupo, formado por Fred di Giacomo (voz, violão, baixo e cavaco), Diego Bravo (percussão e backing vocals), Karin Hueck (voz e teclado) e Tiago Van Deursen (voz, violão, gaita e cavaco), transmuta a fina poeira dos afetos de uma casa em som, em memória, em miudezas singulares. Como uma nuvem, que podemos admirar, mas, ao primeiro sinal de tentar capturá-la nas mãos ela se desfaz, a música tem o mesmo sentido: não conseguimos pegar o ar dessas canções: só é possível sentir o calor do abraço que elas trazem. E isso é lindo. Amar só pelos sentidos. Se sentir bem sem precisar encaixotar.

Destaque para a canção “A janela”, que constrói um cenário onde morar não é mais um lugar, mas um estado: meu lar é quem eu gosto, e não onde me protejo da chuva. Assim como em “Desamparo”, as inserções de falas de Manoel de Barros só engrandecem e fazem todo sentido: é essa fala simples, mansa e profunda que transformam casas, sejam elas feitas de cimento ou pele.

O clipe de “O céu distrai” se faz incrível por tudo e, sobretudo, o que punge são as cores: quentes e tantas. Como uma casa. Tudo o que te importa está lá, independente da paleta de cores. Como uma pele. Tudo que é preciso chega, independente do lugar de onde veio. Assim como a capa do disco, em que não há nada mais vivo do que plantas no quintal, nada mais orgânico do que letras coloridas feitas a mão, nada mais nós do que “América”. Nada mais espetáculo do que a vida sendo cotidianamente vivida. Siga:

Se alguma coisa nos conecta é a música. Independente da língua, da origem, do estudo, do clima, da espécie. Que a Bedibê continue nessa estrada, conectando, como linhas de uma aranha, tudo o que importa.