Dissipar, abrir mão e se encontrar com The Tallest Man On Earth

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Kristian Matsson, artista sueco que dá vida ao The Tallest Man On Earth, acaba de lançar seu novo álbum, o intrigante “I Love You. It’s a Fever Dream”. Gravado enquanto Matsson dividia seu tempo entre a vida em um apartamento no Brooklin e sua casa no interior da Suécia.

Com arranjos eficientes e composições que nos guiam por uma narrativa repleta de questionamentos, o existencialismo emocional se evidencia ainda mais na visão de mundo que vislumbramos pela ótica de um músico brilhante que, por vezes, parece profundamente preso em agruras incuráveis.

Para compreendermos a proposta deste novo álbum, vale lembrar que The Tallest Man On Earth começou com composições características do cenário folk norte-americano das décadas de 60/70, e não poderia ser diferente, uma vez que a inspiração do mestre Dylan era pulsante no jovem Kristian Matsson. A poesia melancólica que expressava um mundo em transformação do qual Dylan se colocava como profeta, agora fora substituída por uma tristeza aguda de se perceber antiquado diante da inexorável modernidade.

Lentamente essa tristeza de não pertencer passou a permear as esferas relacionais de Kristian, chegando ao ápice em seu álbum “Dark Bird Is Home” (2015), onde o seu recente divórcio se tornou o catalisador de um desespero que parece ter sido expurgado em cada uma das canções. É como se as composições fossem uma maneira terapêutica de lidar com seus recessos – sua tristeza encontrava aceitação em acordes harmônicos, com suaves sintetizadores e delicados arranjos de piano.

E agora, em “I Love You. It’s a Fever Dream” encontramos um homem revigorado, embora ainda cercado pelos terríveis sentimentos que, pouco a pouco, parecem destilados em uma alma justaposta à dor.

“Hotel Bar”, faixa que inaugura o disco, é marcante em sua simplicidade. Um vocal bem-sonante, e uma inquietação, o medo de ficar só consigo, nos entregam frases como “se é verdade que somos todos um, para quem nos voltamos quando o dia termina?”.  De fato, por vezes nossa saída para acalentar a solidão se manifesta em projeções do homem como coletivo, quando nossa ontologia nos prende nas raízes da nossa inevitável individualidade.

Kristian Matsson evidência que, algumas dores nos acompanharão por todo o tempo que peregrinarmos. Dividido entre o sofrimento do passado e a reconstrução do presente, em músicas como “My Dear” a dicotomia mente/corpo, dor e lida, ansiedade e quietude, são emblemáticas para revelar uma tentativa de superar:

Eu estou seguindo em frente mas os sentimentos se movem mais rápido
Tento caminhos de quietude
Como se meu corpo estivesse em outra cidade
Então você passa

Por incontáveis versos, Matsson transparece inocência em acordes suaves. Lamenta de forma serena. Talvez porque tenha compreendido que tudo o que ele pode manter é o agora – sim, “All I Can’t Keep Is Now”. O presente é a soma do que ele foi, e pode ser um fardo a menos para quem ele será.

E na última canção, a faixa que dá nome ao disco “I Love You, Its a Fever Dream”, percebemos que, não por acaso, Matsson traz acordes idênticos à última faixa do disco anterior “Dark Bird Is Home” – que por sinal também carregou o nome do álbum ao qual finalizou. Mas, o que antes era um lamento, onde a dor de uma perda amorosa precisava ser superada com o mantra “isso não é o fim”, agora se torna uma madura aceitação do mistério do sofrimento, onde tudo o que nos resta é manter a esperança que carregamos, pequenas coisas que podemos amar, por onde quer que caminhemos.

Para muitos de nós, uma crua exposição de fragilidade pode parecer tola, pois, como bem disse Dostoiévski no sublime fechamento de Memórias Do Subsolo:

“Desacostumamo-nos mesmo a tal ponto que sentimos por vezes certa repulsa pela “vida viva”, e achamos intolerável que alguém a lembre a nós.”

Mas para os que se despertam para a empatia, que se dispõe a desnudar-se diante de uma sincera expressão artística,  o que The Tallest Man On Earth nos entrega ao longo de cada álbum é a humana dor de uma vida que é vivida.