Um passeio pelos “Hemisférios” do Antiprisma

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Acordes adocicados, distorções de guitarras, vozes suaves, mensagens certeiras. Taí uma deliciosa mistura que culmina em “Hemisférios”, novo disco do duo Antiprisma, lançado nesta sexta-feira, 30 de agosto.

A sonoridade não é tão comum para quem curte folk tradicional ou um artista e outro de indie folk que falamos por aqui, mas há de se achar sua essência ali no meio. A diferença é que ela vem acompanhada de tons de psicodelia e experimentalismo. A viola caipira também está presente e isso deixa tudo ainda mais bonito.

Quem nos acompanha na porta de entrada do disco são acordes que vão evoluindo para uma camada mais complexa de sons até nos depararmos com as vozes harmônicas de Elisa e Victor. “Tudo de novo mas diferente surgiu” diz a letra de “Amanhã Tudo Volta a Nascer” que abre o disco nos transportando, através das ondas sonoras, para um universo paralelo que Elisa e Victor nos conduzirão a partir de então.

É mesmo tudo de novo. Mais um disco do Antiprisma, o segundo da carreira deles, mas tem algo diferente aqui. Os arranjos estão mais elétricos, as letras estão mais políticas. A atmosfera, num geral, está mais completa, mais madura.

De mãos dadas com o duo, seguimos pelos “Hemisférios”, reconhecendo os singles que o anunciaram. Primeiro “Fogo Mais Fogo”, depois “Caos”, algumas novidades encantadoras (indico atenção para faixa “Cenário” que aparece bem no meio) e está ali também “Só Porque Você Não Se Encontrou”. Depois, mais algumas novidades, até encerrarmos a viagem ninados pela narrativa esplêndida de “Americanos Selvagens”.

Um disco intrigante, curioso, transcendental.

Mas antes de ouvi-lo, te convido a conhecer um pouco mais, lendo o que o próprio duo tem a dizer sobre ele.

FoldaWorld: Eu sou do tempo em que as pessoas conheciam primeiro a capa e depois o conteúdo do disco. E vou confessar a vocês que a capa do “Hemisférios” me intrigou. De quem foi a arte e o que esse homenzinho está contemplando aí?

Elisa: Eu também! Até hoje, levo muito em consideração as capas. A arte é minha e do Victor, fizemos juntos. É uma colagem analógica de revistas antigas. O carinha contemplando o horizonte na verdade veio de uma foto em que várias pessoas estavam olhando os destroços causados por um terremoto.

FDW: Este é o segundo disco cheio de vocês e é claro que dá pra notar um amadurecimento na música num geral. São quase 3 anos aí de diferença entre um lançamento e outro. O que vocês aprenderam com o “Planos para Esta Encarnação” e que quiseram trazer para este trabalho e o que ficou pra trás?

Victor: É engraçado que, apesar de notar claramente algumas mudanças nesse trabalho, pra gente está tudo soando como sempre soou o Antiprisma. Na real é que a gente já sabia que um dia aconteceria essa expansão pro elétrico também, com baixo, batera e guitarra, então foi tudo bastante natural. Estava bastante clara a nossa vontade, o que facilitou demais na hora de encontrarmos novos caminhos pras músicas que vieram dessa vez. Tanto com o EP do burrinho quanto com o “Planos”, a maior lição aprendida – ao menos pra mim, mas acho que pra Elisa não deve mudar tanto essa afirmação – foi que se a mensagem for de fato honesta e se há uma melodia que exprime isso, a música está no caminho certo e consequentemente isso nos colocará num plano de ideias mais produtivo. Ao menos funciona assim pra gente, não há nada à toa nesse disco, tudo foi muito pensado, e esse cuidado é resquício do nosso aprendizado com os trabalhos anteriores.

FDW: Tem algo nos arranjos de vocês que me chama muito a atenção: o uso de viola caipira em meio aos tons psicodélicos. Isso ficou super evidente na faixa “Cenário”, sétima faixa desse novo álbum, que é apenas instrumental e altamente contemplativa. Também em “Maya”, outra faixa belíssima. Me contem como surgiu a ideia de misturar algo tão enraizado no cancioneiro brasileiro com as disrupções da psicodelia. Aliás, isso já é uma baita marca do trabalho de vocês, né?

Victor: “Cenário” veio bem na época em que comecei a explorar a viola caipira afinada em rio abaixo, que é a afinação que sempre uso. Vai ver esse sabor de psicodelia vem naturalmente porque ali tem muito de alguém que passou um tempo escutando os folk rock da vida ao invés de pender completamente pra moda de viola, por exemplo. Apesar de termos passado um bom tempo estudando coisas regionais como Tião Carreiro, Cascatinha & Inhana e Vieira & Vieirinha, por exemplo, em nosso cotidiano toca muito mais referências do folk rock, pós punk, as bandas de college rock, enfim… A gente fuça demais nas coisas! A gente tentou misturar a paisagem do Brasilzão com Led Zeppelin III e deu nisso. Na verdade, “Cenário” é uma música que fiz pra Elisa, tenho um carinho especial por essa faixa. Acho que vivendo nesse caos de São Paulo fica cada vez mais necessário encontrar um jeito de se transportar pra ambientes mais palatáveis, e acho que é isso que a gente meio que tenta fazer muitas vezes com nosso som.

FDW: O single escolhido para anunciar este álbum foi o “Fogo mais Fogo”, que a propósito, ganhou um clipe bem no estilo faça você mesmo. Apesar de “simples” – e eu coloco simples entre aspas porque nunca é fácil lidar com vídeos e chegar a um resultado tão bom – ele consegue externar muito da essência de vocês. As cores, os símbolos, os gestos… Mas, principalmente, a relação com a natureza. E a natureza está muito presente na música de vocês. Ela é a maior inspiração de vocês?

Elisa: Sem dúvida. No fim das contas, os elementos da natureza sempre estão presentes nas nossas composições – assim como sempre são presentes nas nossas vidas, por mais que às vezes a gente se esqueça disso…

FDW: E essa abluesada que rolou em “Só Porque Você Não Se Encontrou”? Isso é algo novo pra quem acompanha o Antiprisma, né? A propósito, os arranjos estão muito bonitos nesse trabalho? Quem é o culpado ou a culpada por esse excelente trabalho?

Victor: O blues é algo que está bastante impregnado no meu jeito de tocar. Você vê, minhas referências pra fazer um som sempre foram mais voltadas para coisas mais seminais, e o blues está em quase tudo, seja gringo ou seja daqui mesmo. Sem contar que a Elisa também tem essa inclinação estética, mas a gente sempre procura deixar essas referências com uma roupagem contemporânea, não é nossa vontade querer adotar uma postura saudosista. Os arranjos do disco foram trabalhados de forma bastante conjunta e tem 50/50 ali. No nosso som tudo sempre passa pela aprovação de ambos, se um tambor não soa 100% de acordo, não usamos. A gente procura um som que satisfaça sempre os dois.  

FDW: Falando um pouco sobre as letras deste álbum. Impressão minha ou vocês estão mais politizados aqui? A propósito, quem compõe?

Elisa: Sim, acho que em comparação com os nossos lançamentos anteriores, a questão política está mais presente, ou pelo menos presente de maneira mais explícita. Até por conta do momento em que estamos vivendo, do contexto em que o disco está inserido.

Acho que, de qualquer forma, toda a mensagem geral que passamos com as músicas tem uma afirmação política no sentido de refletir e questionar sobre o nosso modo de vida – ou melhor, sobre o modo de vida imposto a nós e todo o seu conjunto de valores  –, mas o contexto político atual representa uma afronta grosseira a questões que temos como princípios preciosos, sabe? Então é impossível não adotar um tom mais ácido e melancólico nas composições que surgiram nessa época.

Sobre a composição das letras, os dois escrevem, mas nesse disco a maioria é do Victor – com pitacos meus (risos).

FDW: Projeto pronto e entregue ao mundo. Quais os próximos passos agora? Teremos novos clipes, temos previsão de shows para apresentar isso tudo de pertinho para o público?

Victor: Sim, terá um novo clipe, que inclusive já foi filmado e está sendo editado, mais uma vez dirigido pela Elisa. Mas ainda não vamos contar de qual música, é surpresa! Eu achei as imagens lindas… Mas enfim, a ideia agora é divulgar o máximo possível esse trampo e tocar o máximo que pudermos por aí, estamos no gás. Tocar com a Ana e o Rafa tem sido um privilégio, a gente admira muito eles. É bom demais quando a gente pode trocar energia com mais pessoas. Também vamos fazer o formato acústico em duo, como sempre, mas agora a vontade é de pegar firme com o quarteto e ver o que pode sair dessa formação. Muito em breve anunciaremos algumas datas, sim!

Sigamos curiosos, mas muito bem acompanhados desta trilha sonora! Play (aqui para escolher sua plataforma favorita) e aproveitem a audição!