Akio e a construção do ruído

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Detalhe é um estrangeirismo. Aportuguesar a expressão détail diz muito sobre nosso país. Eu geralmente me pergunto se, quem utiliza esse termo cotidianamente, tem a consciência da beleza dos outros vocábulos de origem galego-portuguesa que possuímos. Como a palavra que cabe perfeitamente para descrever o disco “Mais um mero ruído excêntrico”: pormenor. Cada miudeza que tilinta no disco, entre palavras, dicções e sons, só nos encaminha para classifica-lo assim. Milhares de pormenores que formam um pormaior. (Neologismos são sempre bem vindos para descrever obras de arte, claro).

O disco, logo no título, tenta se afastar de holofotes. Mas é inútil, pois todos os ouvidolofotes se atentam assim que a primeira música inicia. É possível até ouvir, no fundo, um ouvidolofote comentando com outro: “caramba, é bom, né?”. A meticulosa armação entre melodia e letra, entre palavra e nota, entre tiques e toques é fenomenal: e te faz pensar e refletir ao mesmo tempo em que entretêm.

Akio Ponte, após uma temporada na Inglaterra (produzindo, procurem), volta ao Brasil no carnaval de 2018 e, nesse mês emblemático para o país, faz um disco para se ouvir na quarta-feira de cinzas. A fala calma posterior ao excesso. A sombra que sobra, inevitavelmente. A canção que dá título ao disco nos rapta: cada elemento sonoro risca e reverbera, se transmutando, depois de minutos, no inesperado. Apesar da denominação, não é um mero ruído, mas um ruído esmero. São daquelas canções que se atiram pra fora da sua inexistência física e caminham pela rua, deslumbrantes. Corram esse risco:

A capa, feita pela artista francesa Mau Oz, é uma daquelas experiências duplas: antes de ouvir a obra, ela é uma: um caos esverdeado, sem sentido. Inexplicável, até. Depois que as músicas são consumidas, se torna outra: milhares de facetas e pedaços que uma única cena pode ter. Um caleidoscópio de pontos de vista desbotados. Uma infinitude de possibilidades. Inexplicável, ainda. E a imagem retrata a labuta do músico: o acorde que, tantas e tantas vezes, terá de ser feito e refeito. Sempre o mesmo, porém outro.

Existem milhares de sensações, ainda, espalhadas por esse disco. Porém, sentimentos são pra isso: sentir, e não figurar em resenhas. Tirem alguns minutos do seu dia para ouvir o disco. E o resto da vida para absorvê-lo.

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