Barcamundi espremendo o experimentar
por Marcus Cardoso
Há encontros que, de tão intensos, só podem produzir Beleza. Alguns desses são inexprimíveis, diria. O rio Amazonas, doce, segue por seus tortuosos caminhos rumo ao oceano Atlântico, salgado. Já aí, nesses dois sabores díspares, juntos na mesma frase, impedidos de se distanciar ainda mais por conta dos pontos finais que o cercam, parece algo explosivo. Mas quando as duas águas, envoltas pelos seus motivos e predestinações, se chocam numa violência saudável, tudo fica inexplicável.
Pororoca é um nome indígena, que significa “estrondar”. Porém, é no nome local que se encontra mais significado: “riomar”. É nesse choque entre as duas palavras, carregadas de significado, unidas perfeitamente numa leitura fluida, mas que ao mesmo tempo causa estranhamento, onde se observa que é preciso criar para explicar. Talvez seja essa a sensação de ver o espetáculo desse encontro. Afinal, é só na experimentação que se constrói potência. “Disco Adulto”, da banda Barcamundi, reverbera todo o incompreensível que escorre do encontro.
A banda, formada por Gabriela Autran (escaleta, synth e backing vocal), Gil Navarro (bateria), João Barreira (voz, violão e guitarra), Leon Navarro (guitarra, pífano, clarinete, escaleta, marimbau e backing vocal), Matheus Ribeiro (guitarra e trompete) e Pedro Chabudé (baixo), desconstrói ao mesmo tempo em que contempla, ultrapassa barreiras enquanto traduz a tradição.
“Disco Adulto” é uma obra que, faixa a faixa, busca a maior densidade da leveza: como alquimistas da sonoridade, encontram, com sucesso, uma fresta no existente para inaugurar tudo o que é preciso. O disco é produzido por Hugo Noguchi (ouçam Ventre, sério) que auxilia nessa alquimia como um grão-mestre. E assim como o riomar, o disco flui por caminhos tortuosos até desaguar no potencial encontro dos diversos sons e camadas que compõe as faixas.
Destaque para “Amor Concreto” que abre o disco e não poupa contratempos: a forma como a música é construída e a maneira como as palavras se encaixam é simplesmente magnífico. E o clipe busca a desconstrução que a música inspira, trazendo cortes e loopings que nos fazem pensar sobre o que se repete no amor e na vida.
Vejolhenxerguem tudo (é preciso criar para explicar):
A capa do disco, feita por Daniel Porto e Adriene Araújo, traz esses vários mundos (ou dimensões?) que, simetricamente dispostos, acalmam a vista com a sensação de harmonia e distribuição no espaço do quadro. Apesar desses vários mundos ali, expostos, existe um alguém somente em um deles. Se acaso ou escolha, está em suas mãos, ouvinte.
De qualquer forma, o álbum é uma obra completa e com tantas camadas que é impossível sair o mesmo depois de ouvi-lo por completo. E não ligue em se perder, pois é na volta do desencontro que mora o encantamento. Por fim, um conselho: Ouçam “Disco Adulto” até o fone pedir pra parar. Aí você para, tira o fone, e ouve o resto da vida.