Victor Mus fitando calmo a liquidez

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O raso é seguro: na praia, as crianças são felizes no raso: os salva-vidas insistem: não vão pro fundo, fiquem até onde suas pernas tenham forças pra voltar. A poça é esse minilago que o perigo não nada. A chuva é essa lágrima livre do sofrer. O raso não abre precedentes pro incômodo, pro desgaste, pro não-deu-pé. O raso, essa represa rala. O raso, esse riso rijo.

Mas quando eu toco alguém, eu toco seu raso: sou barrado pela pele. Nunca chegarei a ter certeza da cor das suas veias ou em quais regiões seus ossos se quebraram. Quando te ouço falar, ouço seu raso: nunca saberei a forma como você escolhe a frase, palavra-após-palavra: quais dela você guarda, quais dela você gosta, quais dela você tira. Talvez não saiba exatamente a posição dos móveis no seu quarto ou o quão puído está o seu suéter preferido. Talvez não saiba nem mesmo quantas pintas flutuam pelo raso da sua pele. E, ainda talvez, (porque tudo é um exercício de talvez), isso só nos proteja: resvalos machucam menos que demorados socos raivosos: imersos, profundos. O profundo, esse comício mudo. O profundo, esse nadaquasetudo.

Victor Mus explora, adentra, mergulha e submerge essas questões em seu single “Vapor”, essa fumaça que podemos ver, mas não capturar com as mãos. A canção composta em cima de contratempos já indica isso: é olhando pelas frestas que o músico carioca constrói imagens e paisagens. O trecho “Tem gente que vem a turismo, tem gente que vem pra morar” denota maravilhosamente bem todas essas questões, magistralmente costuradas pelo canto e sons que a acompanham.

O clipe da canção é outra obra à parte: dá espacialidade pra canção, e retrata encontros permeados pelo corte, pelo vário, pelo outro. A intercalação de corpos e olhares e sentimentos expressos ali emocionam até um mero resenhista perdido e atrasado em seu ofício. Não há como negar que, em tempos como esse, a canção é essencial. Aprofunde-se:

A frase que carrega (e acalma) toda a confusão entre cenas e sinas é “o fim às vezes não é final”. Nessa linha é que se compreende e se desmonta: se projetando, se não pro outro, pra dentro. A frase certa para deixar rasurada no canto do seu passaporte, à lápis, para você ler quando precisar mostrá-lo para algum agente da imigração no aeroporto italiano. Victor Mus é, irremediavelmente, poetalém.

Esperamos que, dia atrás de dia, a carreira do músico se solidifique sem perder a liquidez. E que suas canções nos tragam sempre linhas frases sons que acalmem e nos deixem, irremediavelmente, sentados, sentindo.

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