A versão emotiva e delicada de KT Tunstall presente no disco “Invisible Empire//Crescent Moon”

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Gosto de discos “fora do eixo”, aqueles que soam fora dos parâmetros que se espera do artista. Quando se trata de discos femininos então, gosto mais ainda. Mulheres que se jogam com profundidade em seus trabalhos sem se preocupar com o mainstream: com músicas fáceis, produzidas para as paradas ou plastificadas. Quando o artista se preocupa em produzir algo que apenas soe honesto e bom, temos discos que nos contam verdades.

A cantora britânica, nascida na Escócia, KT Tunstall, surgiu no cenário da indústria lá em 2004 como uma nova opção para o pop/rock feminino e até falando em raízes de música folk. É bem verdade que não fez tanto sucesso, mesmo com algumas composições muito bem estruturadas para o que se pode chamar de Pop, incluindo letras com sacadas bem interessantes em seu disco de estreia “Eye to the telescope”. No entanto “If only” do disco “Drastic Fantastic” de 2006, chamou mais a minha atenção. Lançou três álbuns de estúdio e algumas compilações ao vivo e acústicas até chegar ao folkizinho “Invisible empire//crescent moon” de 2013, um trabalho bastante genuíno, emotivo e intimista. E como o título sugere, há uma divisão em duas partes, embora elas não precisem ser exatamente vistas e ouvidas separadamente pois se complementam.

Largar as facetas da indústria é difícil, uma vez que para entrar, o artista precisa se moldar a alguns itens bastante comerciais e, muitas das vezes, não consegue sair dessa lógica nunca mais. Após alguns experimentos – inclusive mais eletrônicos – a cantora decidiu seguir para o lado Oeste. Parece que no disco anterior ela está morando no centro de uma metrópole cercada por barulhos intermináveis e no momento seguinte, ela segue em direção a um rancho e fica quieta por lá até acertar o som. O álbum foi gravado após a morte de seu pai e do fim de seu casamento. O copo estava meio cheio ou meio vazio para KT? Penso que ela preferiu nem olhar e jogar a água fora. Há uma fragilidade emocional nas canções, mas com uma forma muito sutil de abordar cada tema.

A abertura, que ficou por conta de “Invisible Empire”, já mostra a qualidade do que ainda virá pela frente. Uma ode a sua “ruína pessoal” e a sua nova perspectiva das coisas. A derrubada de seu império, que na verdade nunca existiu, aquela vida que foi planejada mas que ficou para trás. Tem dedilhados de violão, bateria acústica, piano e uma voz muito sóbria segurando toda a canção. Sem desespero, já que na próxima faixa, ela precisa falar sobre o rompimento de sua relação, onde inclusive o título da música “Made of glass” (Feitos de vidro), surgiu da inspiração de um vaso de flores que uma amiga – falecida de câncer – havia lhe presenteado. Parece dramático? Esqueça, a música soa singela e leve e, ainda traz um assovio quase faroeste para embalar o ritmo.

Violinos adentram na canção “Old man song” e aqui, se utiliza uma das técnicas “pizzicato” (fazendo uma explicação breve, neste caso é o violino sendo tocado com os dedos, fazendo a função do violão na melodia). Eu penso que um bocado de vozes dobradas abrilhantaria mais esta canção, embora mesmo sem efeitos, ela diga a que veio: “Então viva dentro dessa luz, sua jornada é meu prazer, e eu tenho um sentimento tão estranho quando o vejo mudar, de um homem para um cavaleiro do portal”. Seria o seu adeus papai? A experimentação sonora fica por conta de “Waiting on the heart”, que lá por volta dos três minutos muda drasticamente e cresce como se fosse uma libertação necessária. Soa como um “country polido” e nada rústico onde o piano se destaca inevitavelmente.

“Chimes” é o dueto do álbum, embalado por um acordeon e com os vocais divididos com o co-produtor e co-autor Howe Gelb (o disco, aliás, foi gravado no estúdio de Gelb no Arizona para entender a atmosfera). Já “Feel it all” – que foi única canção do disco a ganhar uma versão “Radio edit” – em sua versão original traz uma guitarra sedutora e um compasso quase semi-erótico. Aquela trilha sonora de um filme em que um homem ou uma mulher está no meio da sala quase escura não fosse aquela luz quente e indireta focada na parede e dança suavemente enquanto bebe uma taça de vinho vestido ou vestida apenas com uma camiseta branca (sedução tem mais a ver com estar à vontade do que qualquer outra coisa). Tunstall está inteira, disposta a sentir tudo com uma vulnerabilidade que está aberta ao êxtase do perigo, da aventura. No entanto, duas canções não me atraíram “Yellow flower” e “No better shoulder”, mas como sempre falo, a música tem muito a ver com conexão pessoal e algumas até precisam de um tempo para fazer com que a gente se entregue. Mas ainda houve espaço para dar uma açucarada em tudo com “Honeydew” que mesmo simplória é um dos destaques e, metaforicamente, lá está ela para aproveitar com uma nova pessoa, o tempo que desperdiçou com outra.

Ouvindo o disco inteiro, a impressão que se tem é que a porção country foi utilizada na medida certa, sem soar caricata, com guitarras pontuando um clima aqui ou ali e pianos fazendo várias camadas sonoras. Apesar das perdas, de nenhuma forma soa dramático ou melancólico ao extremo, ao contrário, KT usa de um charme – como poucas cantoras – para falar de situações mentais bastante desconfortáveis sem parecer lamúrias. É uma queda que levanta com otimismo abraçado a uma sonoridade de extrema qualidade.

Para quem não conhece o trabalho da moça, sugiro ir direto ao ponto e devorar “Invisible empire/Crescent moon”. E, ainda dar uma boa vasculhada nos vídeos dela ao vivo, ela é praticamente uma one woman band e muitas das apresentações faz sozinha acompanhada apenas de seus instrumentos musicais. Mulheres que cantam, mulheres que tocam, mulheres que compõem, mulheres com notoriedade dentro desse universo mágico que é a música: todo o meu respeito. KT Tunstall entrou para um seleto grupo de mulheres poderosas as quais admiro. Vida longa a este disco.