Tem sido difícil acompanhar as notícias dos últimos dias no Brasil. Quando uma coisa boa acontece, parece que duplicam as coisas ruins. Como sempre, me refugio na música. Mergulho nas letras, me aconchego nas melodias e ganho fôlego fugindo da realidade por meia hora ou assim. Um respiro que vale a pena e revigora pra continuar.

Entre as coisas boas que 2021 já me apresentou está o novo trabalho do Beta Radio, um duo que acompanho há anos, mas, confesso, não ouvia faz um tempinho. “Afraid of Love” é o título do EP que nos apresenta quatro faixas. Somando, dá uns 12 minutos de audição. Parece pouco, mas a intensidade delas nos leva muito além disso.

“There’s something I want to say” é curtinha. Basicamente uma intro que, como indica no título nos introduz ao que o duo quer nos dizer nas faixas seguintes. É totalmente instrumental. Atmosférica! Mistura piano e cordas um certo barulho de chuva. Nos pede uma pausa para ouvir o que está a seguir. Sua ligação com a faixa seguinte é tão sutil que mal percebemos a transição. Mas aí entram dedilhados fortes e um vocal arrebatador!

Entramos no terreno de “Afraid of Love”, a faixa que dá nome ao trabalho e que envolve como um abraço forte todos aqueles que se encantam, mas ao mesmo tempo se apavoram com o poder do amor. Esta é uma canção de melodia totalmente requintada, com uma aura hipnotizante e que expõe a frágil realidade da natureza humana de uma forma extremamente cativante e identificável. Não bastasse o poder da música em si, eles a transformaram em clipe (quase um curta de seis minutos), atingindo mais um dos nossos sentidos. Amarrados audivelmente e visualmente… fica difícil escapar.

Sobre a canção, Benjamin Mabry, um dos integrantes do duo revela:

“Passei a maior parte da minha recente carreira de compositor tentando não escrever sobre o amor. (…) Cheguei ao ponto em que, quando me sentava para escrever as letras das músicas, tentava ser intencional e não usar a palavra “amor” porque ela já estava em todos os lugares que meu ouvido tocava Mas então o novo ano chegou. E então o mundo adoeceu. E então todos nós vimos novamente como nosso(s) sistema(s) de justiça estão corrompidos. E então, parecia que amor era tudo sobre o que eu poderia escrever. Mesmo que às vezes eu tenha medo disso”.

Seguindo em frente, encontramos mais acordes fortes e inspiradores. Agora “Don’t Leave Me Behind”. Numa esfera totalmente vintage e bucólica que nos remete aos primeiros trabalhos do duo, sua letra fala sobre não conseguir acompanhar o ritmo de algumas coisas/situações/pessoas e, mesmo assim, não querer ser deixado para trás. “Sometimes I feel what I can’t translate / Don’t leave me behind / Sometimes I sing the things I cannot say / So please don’t leave me behind” (Às vezes eu sinto o que não consigo traduzir / Não me deixe para trás / Às vezes eu canto as coisas que não posso dizer / Então por favor não me deixe para trás), declara a canção que lá na frente vai nos lembrar do momento difícil que estamos passando: “I woke up out of a heavy head / The cloud was around my conscious mind / The pandemic outbreak at the end of days/ I’m unfurling in the whirlwind when the world’s on fire” (Eu acordei com a cabeça pesada / A nuvem estava em volta da minha mente consciente / O surto de pandemia no final dos dias / Eu estou me desenrolando no redemoinho quando o mundo está em chamas”. Numa era desconexa como esta pela qual estamos passando, a canção poderia facilmente se tornar um coro uníssono com todas as nossas vozes.

Fechando o trabalho, uma faixa esperançosa: “Hope You Change Your Mind”. Sua narrativa é sobre não querer que algo muito significativo um dia acabe. Cordas mais suaves e piano nos acompanham aqui, enquanto nos deparamos com um sedoso vocal feminino. Isto porque, para além dos vocais de Ben e seu parceiro de banda Brent Holloman, a esposa desse último, Amanda Holloman, empresta sua voz para embelezar ainda mais a faixa. Bateria e outros elementos sonoros também são acrescentados para uma explosão eufônica.

Apesar do receio em escrever e cantar sobre o amor, Beta Radio parece ter encontrado o caminho certo para declará-lo em momentos turbulentos como o dos nossos dias. Sem melosidade, sem clichês, mas relembrando vivamente que ele continua pulsando apesar de tudo.