Assimilando Sive
por Marcus Cardoso
É preciso ter estômago no mundo. E é preciso, em alguns momentos, produzir algumas coisas partindo dele: transfigurar ácido gástrico em elixir, digestão em combustão. Fazer da dobra da ruga penhasco: e se jogar em queda livre. Se emocionar imensamente com cada vaso sanguíneo que percorre o intestino. A beleza mora nos lugares menos ditos. E a cantora irlandesa Sive parece exalar, a cada trabalho, essa busca por ambientes pouco visitados.
Seu último lançamento, o single “Holding”, alcança traços por esse caminho: surpreende nas linhas melódicas sobrepostas por texturas sonoras que incomodam. E, claro, incomodar é sempre um destino. A maneira hábil com que quebra as frases e as melodias faz com que essa fratura na música nos acompanhe. E é preciso ter calma em certos momentos, porque ruminar também é digerir. E é nesse sentido que a música se completa: após mais de um encontro, os pormenores vão saindo, lentamente, de seus esconderijos e se mostrando, despindo-se da timidez. E os tímpanos, claro, sendo amortecidos batida após batida.
Junto com “Holding” há, nesse combo, a canção “Quietly”, que já divulgamos o clipe aqui. Essa canção, que ecoa à medida que arrepia, segue a mesma linha de camadas que a primeira canção. E existe, nela, essa provocação que fere, fura e fuça, sendo, ainda, palavra: “Quietly we learn/ To dance the language of our bones”. Afirmando, então, que é baixinho que se conecta com o outro e se aprende os difíceis passos dessa dança chamada sociedade. Que é lentamente que se digere, que se absorve o que te mantém aqui.
É atrás de cada idiossincrasia que essas músicas se guardam, pois os detalhes reverberam o todo. Que Sive nos presenteie com mais detalhes. E que a gente, calmamente, os devore e digira.