Ben Caplan e o grunhido que acaricia (parte 1)

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Boa parte da nossa vida é envolta em passado. Essa própria resenha, por exemplo, escrevo nele. No momento em que digito a palavra “palavra”, reproduzo um milésimo de segundo que já se foi. Um minuto que devora outro, enquanto ainda outro se encontra à espreita, lambendo saborosamente os segundos dispostos no caminho. O Tempo é faminto e pouca gente vai morrer de velho.

Uma forma de vencer o Tempo pode ser gravar uma música: quando seus minutos estiverem todos devorados, você aperta novamente o play e pronto: o tempo pode deliciar-se, mais uma vez. Ben Caplan, em seu disco “In the time of the great remembering” (2011), dá comida ao tempo como se fosse seu animal de estimação.

Sua voz troveja naturalmente por entre os acordes. Quase como uma força da natureza, é possível sentir a energia que explode do ar que sai da sua boca. É profundamente normal, enquanto se ouve o disco, perder-se nos grãos de sua voz, nos fiapos de seu timbre, nas lascas das suas melodias.

Destaque para “Down to the river”, que extrapola em sentimento. Seus gritos são tão expressivos que lembram a voracidade do Tempo, esse faminto. Nessa condição, Ben Caplan não canta, dinamita. E nos nossos ouvidos ecoam, durante dias, a fumaça do que sobrou. Verifiquem e não queiram desdar o nó na garganta ao fim:

Há tanta intensidade, nas linhas e entrelinhas de todo o disco que é impossível sair incólume dessa experiência. Você, sentado ali, se abre enquanto ele vocifera, fera. Bem Caplan consegue devorar o próprio Tempo após vencê-lo. Ouçam o que eu digo: esse canadense tem sérias chances de se tornar eterno.