“Monovision” de Ray LaMontagne é um disco para tempos como este: é como ser abraçado pela essência das coisas simples
por Cléo Medeiros
Quando um artista compõe um disco como “Monovision” significa que ele chegou em um momento de sua carreira que não tem nada a provar. Ao menos, é isso que sinto ao ouvir este último disco do Ray LaMontagne – o compositor por trás de uma das mais belas músicas sobre amizade que eu já ouvi “Let It Be Me”. Esta canção, aliás, está lá no meu disco predileto de Ray “Gossip In The Grain”, 2008. Porém, em “Monovision”(2020), eu sinto a grandeza de um compositor que grava um disco pelo simples fato de querer compor música e compartilhar a sua arte com as pessoas que sentirem-se abertas a recebê-la.
Tenho a impressão que LaMontagne já nasceu clássico, desde o primeiro álbum “Acres of Land” de 2001 – apesar de muitos apenas o conhecerem a partir do sucesso do disco “Trouble” de 2004. Um desavisado, ao ouvir suas músicas pela primeira vez, certamente acreditará que está ouvindo alguns dos clássicos dos anos setenta. O que diferencia o LaMontagne é a sua naturalidade na narrativa. Ele simplesmente é.
Produzido pelo próprio cantor, o disco “Monovision” chegou com tranquilidade em 2020 e está servindo para forrar as paredes dos sentimentos mais inquietos. Ele acalma, tranquiliza, silencia a sua mente. E mais do que isso, faz com que seu coração se acalme mesmo falando de uma enxurrada de emoções. É um disco bastante humano, daquele humano que busca a beleza das coisas nas tarefas mais simples e que pode ser você ou eu, ou quem mais sentir afinidade energética com essas relações.
Vejamos a faixa de abertura, “Roll Me Mama, Roll Me”, os acordes iniciais de violão, a entrada da voz cheia de ternura de LaMontagne e a composição sendo lentamente acrescida de novas sutis camadas são a base para a chegada do refrão blueseiro que reforça o sentimento familiar e maternal. Quando inicia a faixa três, “Strong Enough” penso imediatamente: “ele está fazendo cover do Creedence?”. Não. Mas agarrou tal influência para acelerar o ritmo do álbum, quando conta uma história sobre azar que ouviu por aí. Se é para pulsar folk junto com os batimentos cardíacos, então é “We’ll Make It Through” que cumprirá este papel. Uma crônica que cabe perfeitamente nos dias que ainda estamos vivendo pós pandemia anunciada. A forma mais calorosa de encontrarmos aconchego, é nos apoiando. “…apoie-se em mim e eu me apoiarei em você e juntos vamos superar, nós sempre fazemos assim. Você está com medo porque não consegue ver a luz, você se agita durante a noite, me segure e eu me segurarei em você, e juntos vamos superar. Nós sempre fazemos assim”. Canta lindamente, ao som de violões acústicos e aquela harmônica que flutua na melodia.
A força da natureza para nos curar é a poesia de “Rock Mountain Healin'”, belíssima por sinal. O poder das montanhas sobre nossos espíritos inquietos, a cura simples no ato de movimento ao procurar este contato: há algo ancestral aqui. Já “Morning Comes Wearing Diamonds” é sobre ressignificação. É sobre olharmos para o que está à nossa volta e ter o entendimento do que é ser grato e da grandiosidade de nosso Ser. Afinal o que é aquele mundo caótico lá fora quando decoramos o nosso interior com a luz do sol? Ray LaMontagne, aponta sobre a importância de nos darmos conta da quantidade de pequenas maravilhas ao nosso redor: “Ouço um pássaro cantando uma canção que nunca ouvi antes”. Parece tão simples não? E você, já escutou hoje o som daquilo que não costuma admirar?
Aliás, já percebeu o quão lindo é o timbre de voz do Ray LaMontagne? Quando ouço as suas músicas, sinto como se ele estivesse invadindo a intimidade dos cômodos de minha casa e estivesse ali, sussurrando algo que eu devesse prestar atenção. Então assim o faço, silêncio para escutá-lo. E honestamente, nem sempre é necessário que músicas boas soem como uma palestra conceitual para que reverberem reflexões internas. “Monovision” trata exatamente disso: precisa de pouco, para dizer tanto.