Montanhas e solitude influenciam o folk de John Mayer

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Este texto é sobre o John Mayer e só por isso já incita preconceito musical! Isso porque John, por ter começado uma carreira com base mais pop, foi começando a mostrar sua influência blueseira apenas tempos depois, além disso, o cara acabou fidelizando mais o público feminino pelo seu estereótipo do que o masculino por conta de seus trabalhos, o que dificultou ainda mais a degustação.

No início da carreira inclusive, eu via Mayer como uma cria parida do Dave Matthews Band, mas percebi que a semelhança estava apenas na forma de cantar e não na melodia. Sempre considerei John Mayer um ótimo musicista e me indagava o fato de a crítica especialista não dar os devidos créditos aos seus álbuns.

Acontece que, mesmo que eu já me interessasse pelo tipo de som que o John fazia antes (destaque para o excelente álbum Continuum de 2006), nunca poderia imaginar que ele faria discos folks tão bons quanto “Born and Raised, 2012” e “Paradise Valley, 2013” e é sobre estas duas obras (sim: obras) da carreira deste artista que quero falar.

John Mayer em uma das fotos para o “Paradise valley”

O ano já era 2014, o primeiro semestre já estava chegando ao final e os discos “Born and Raised” e “Paradise Valley” chegaram até a mim no momento preciso. Confesso que em desordem de tempo, já que ouvi primeiro o “Paradise”.

Na verdade, já havia escutado os singles dos dois discos, mas não havia parado para escutar o álbum inteiro em seu conceito. Conceito: “Born and Raised” surge em um momento de reflexão na carreira de John. É um álbum intimista, que passeia pelo autobiográfico e deságua no Country Folk contemporâneo com pitadas rústicas e vintage. Pós um período conturbado na vida pessoal, tendo sido infeliz em alguns comentários publicados e ter a saúde agravada com um tumor na garganta, a fase ruim também se refletiu na carreira de John.

Por conta destes episódios e cansado do Showbizz, onde tudo é vendável, Mayer se mudou para Montana nos EUA, e viveu um período em meio às montanhas: ali deu vida a “Born and Raised’, e porque não dizer, para um novo John! O próprio descreve o disco dizendo que tem como objetivo relacionar a sua figura a de “um cowboy sentado em um vasto rancho, brincando com sua guitarra, perto de uma fogueira”. E é exatamente esta sensação que se tem ao ouvir as suas canções.

O disco já me ganha devido a história do isolamento: as nossas verdades mais profundas sempre emergem em nossa solitude. Tal solitude é tema constante das letras deste disco. A canção “Shadows days” foi o primeiro single, levada sim para uma balada mais pop, mas com uma letra confessional: “Sou um cara do bem com um coração bom, passei por dificuldades, comecei de forma complicada mas finalmente aprendi a deixar para trás. Agora estou bem aqui e estou nesse exato momento e estou aberto, sabendo de alguma forma que meus dias sombrios acabaram, meus dias sombrios acabaram agora.” Há uma identificação direta minha com esta letra.

Em “Born and Raised”, música título, Mayer empunha sua gaita e sopra mais palavras de reflexão pessoal, diz que vez por outra consegue acertar o seu passo e que quando tudo chega de uma só vez na vida, fica difícil pra ele fingir o que não vai ser, e ainda, que sempre será um desperdício “crescer” (evoluir) sozinho. Tudo isso em uma linda harmonia folk. Folk que se mistura ao Country em “Queen of Califórnia” música de abertura do álbum, daqueles sons para pegar a estrada e cantarolar com o vidro do carro aberto. Aliás, além de citar Joni Mitchel e Neil Young na letra, a melodia parece uma discreta homenagem à Jackson C. Frank, inclusive em alguns shows Mayer canta a linda e triste “Blues run the game” de Jackson emendando com a própria “Queen of California”. Bela transição!

Em “Whiskey, whiskey, whiskey” parece até que é o Bob Dylan que toca a harmônica, tamanha despretensão. Destaco ainda o dedilhado puritano de “Speak for me” e a classuda “Age of Worry”. A grata surpresa fica com “Walt Grace’s Submarine Test, January 1967”. Quando escutei pela primeira vez quase “passei” a faixa, a introdução jazzista soava um pouco monótona, porém logo em seguida, a levada muda e se fosse em um disco meu, certamente esta seria a canção que fecharia o álbum. Contemporânea clássica, atemporal. Vale ainda citar, a preparação da arte da capa de “Born and Raised”, feita pelo designer David A. Smith, especializado em criações tipográficas feitas à mão. O cineasta Danny Cooke filmou um mini documentário sobre este trabalho, realmente incrível e pode ser visto aqui:

O disco “Paradise Valley” como já mencionei, chegou antes de “Born and Raised” aos meus ouvidos, mesmo tendo sido o seu sucessor. Neste disco, Mayer continua saboreando as mesmas emoções e cuspindo fora aquelas que já não o agradam. A diferença é que a beleza do álbum se dá por sua simplicidade (isso poderia soar mais folk?).

“Badge and Gun” é disparada a minha canção preferida, uma balada triste com uma sonoridade profunda, me imagino cavalgando lentamente em um campo a fora em dia ensolarado e frio: “Me dê a estrada que talvez eu fugirei, me dê aquele pensamento pacífico vagando livre que eu conhecia…”, belíssima.

A carta imaginária da música “Dear Marie” poderia ter feito parte de “Born and Raised”, isso porque em uma letra simples, John tem o melhor diálogo do disco e compara o seu presente com o seu passado em uma espécie de perguntas para uma antiga namorada. A letra tem uma sacada pra lá de inteligente, Mayer usa a figura feminina apenas para perguntar a si mesmo se os rumos que tomou na vida, foram realmente bons: “Querida Marie, me diz o que eu costumava ser? Agora eu me pergunto o que você pensa quando me vê em uma revista. Querida Marie, você ainda acredita em mim? Sim, eu realizei o meu sonho, mas você tem uma família. Eu realizei esse sonho, mas eu acho que ele ficou longe de mim…”.

Por falar em namoradas, reza a lenda que “Paper Doll” tenha sido composta para uma de suas “ex”, a cantora Taylor Swift:  na letra ele dá uma boa alfinetada quando diz que ela não passa de uma bonequinha vestida de ouro e tristeza! Ácido. “Wildfire” e “Call me the breeze” trazem a alegria para dentro do disco, temperada com Country na medida certa. E se é para falar novamente em canção para fechar o disco, aqui eu ficaria com a esperançosa e sossegada “Waitin’ on a day”, para ser ouvida no repeat.

Não consigo ter preferência por um entre os dois discos, acredito que eles se complementam e é aí que acontece a alquimia. Por pensar assim, desejei um terceiro álbum que completasse uma poética trilogia, mas não aconteceu. Sou um amante de música Folk! Me interesso pela safra de cantores que cantam sobre a minha geração porque em suas letras consigo me encontrar, não consigo me sentir parte de canções que falam de outras gerações porque não fiz parte delas.

Neste caso, John é próximo a mim. “Born and Raised” e “Paradise Valley” se tornaram parte da lista de meus discos favoritos. Mayer é um dos meus artistas preferidos, mas sou fã mesmo desses dois álbuns com toda essa aura reflexiva, rural e solitária que acompanha essas composições. A solitude nunca pareceu fazer melhor a um artista, como fez a John. Que este estado de espírito não seja apenas transitório.  

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