Muitos refrões tristes: Sandy Denny, rainha do folk britânico

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O folk é uma música com raízes muito profundas e, seguindo a metáfora, com intrincadas ramificações que tocam todo tipo de gênero e época. Para mim, nascido no final dos anos 60, o folk é, por excelência, a música símbolo dessa década, que talvez tenha sido a mais louca e experimental que a humanidade já viu.

Claro que todos conhecem alguns dos músicos de folk mais famosos desta época: Joan Baez, Bob Dylan, Joni Mitchell, entre outros. Mas há muito mais a ser desenterrado das areias do passado. Então, como um arqueólogo amador do folk, vou começar a apresentar alguns dos grandes nomes do folk para quem está chegando agora. No começo vou delimitar um pouco os artistas que aparecerão aqui.

E é só por gosto pessoal, mesmo. Afinal, sou apaixonado pelo folk inglês e pelo psychedelic folk ou acid folk, melhor ainda se a voz for feminina. Aquele folk bem hippie mesmo. A maioria dos grupos e artistas apresentados foram de curta duração, muitos só gravaram um disco, outros tiveram carreiras mais longas, alguns poucos estão tocando até hoje, outros já faleceram.

E começo com a cantora que foi considerada a “rainha do folk inglês” no começo dos anos 70: Sandy Denny. Nascida em 1947 em Londres, ela começou a cantar enquanto estava na faculdade. Nessa época, ela se apresentava tocando músicas tradicionais inglesas e folk contemporâneo.

A música tradicional e medieval inglesa é uma das bases do folk daquele país e algumas baladas, como “Scarborough Fair”, já foram gravadas por quase todo mundo. É um dos aspectos que faz o folk inglês ser tão especial na minha opinião.

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Sandy Denny e a Fairport Convention

Logo começou a se destacar e foi convidada para entrar numa banda chamada Strawbs com quem gravou um disco em 1967, mas que só foi lançado em 1973 quando Denny já era famosa. Mas a cantora não achava que Strawbs poderia conseguir a repercussão que ela queria então em 1968 fez uma audição para substituir Judy Dyble, a cantora original do Fairport Convention, talvez a mais famosa e importante banda de folk inglês de todos os tempos (eles ainda estão na ativa, 50 anos depois de sua fundação). Naquela época, o Fairport Convention tinha lançado apenas um disco em 1968 e, com a nova vocalista, lançou três discos que entram na coletânea de qualquer amante do folk: “What We Did on Our Holidays”, “Unhalfbricking” e “Liege & Lief” (os três em 1969). Várias das muitas listas de ‘best of’ que existem na Internet colocam “Liege & Lief” como o melhor disco de folk de todos os tempos, ouçam e decidam por si mesmos.

No Fairport Convention, além de lindíssimas versões de músicas tradicionais inglesas como “She Moves Through the Fair”, “A Sailor’s Life” e “Tam Lin”, Denny também contribuiu com composições sendo que “Who Knows Where the Time Goes?” foi gravado por muitos artistas do mundo folk e de outros gêneros, como 10,000 Maniacs, Cat Power e Nina Simone. Em 2007, em uma votação feita pela BBC Radio 2, a faixa foi eleita a Favourite Folk Track Of All Time. Outra canção importante composta por Denny para o Fairport Convention foi “Fotheringay”.

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Fotheringay

O nome dessa música acabou sendo o nome da banda que Sandy Denny montou ao sair do Fairport Convention, em 1970. No Fotheringay, que durou apenas 1 ano, estava o guitarrista australiano Trevor Lucas, futuro marido de Denny, com quem teve uma filha.

O único disco lançado na época pela banda, chamado “Fotheringay” que é o nome de um castelo destruído no século 17, possui músicas de Denny, além de algumas tradicionais e um cover de Bob Dylan. Quando estavam gravando o segundo disco, uma briga entre Denny e o produtor levou ao fim da banda. O segundo disco só foi lançado em 2008, com takes inéditos.

Ela decidiu então gravar solo, com a produção do então marido Trevor Lucas, lançando “The North Star Grassman and the Ravens” em 1971. Nessa época ela já tinha sido eleita Melhor Cantora Inglesa pela Melody Maker. A música “Late November” é o ponto alto deste disco.

Ainda neste ano de 1971, Sandy é convidada para participar de um disco do Led Zeppelin sendo a única pessoa a cantar em um disco da banda. Ela é a voz feminina na música “The Battle of Evermore” no lendário “Led IV”.

Em 1972, ela lançou “Sandy” e em 1974, outra pequena joia chamada “Like an Old Fashioned Waltz”, onde ela se afasta um pouco do som folk dos discos anteriores, com canções que se alimentavam de um som pop e jazz, com destaque para a música “Solo”.

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Sandy e Robert Plant (Led Zeppelin)

Entre 1974 e 1975, ela volta com Trevor Lucas ao Fairport Convention, faz uma turnê que termina no disco “Fairport Live Convention” e grava “Rising for the Moon”. Mas o casal deixa a banda no final de 1975 e começam a gravar “Rendezvous”, o último disco de Sandy Denny e, de longe, o mais fraco de sua carreira. A impressão que dá é que Denny queria alcançar um público mais amplo do que o folk e gravou um disco de soft rock, com excesso de produção e que não agradou seus fãs.

O disco termina com uma música cujo título pode ser um dos mais belos já criados, “No More Sad Refrains”, também título de uma das biografias de Sandy Denny, e que é especial pelo que aconteceu depois.

Sandy, nesse momento, depois de uma turnê esgotadora com o Fairport Convention, o fracasso de seu disco, o nascimento de sua filha e problemas no casamento, estava abusando do álcool e das drogas, chegando a colocar em risco sua filha.

Em março de 1978, enquanto estava de férias com seus pais e sua filha, Sandy caiu de uma escada e bateu a cabeça no concreto, sofrendo com dores de cabeça a partir de então. O médico receitou um analgésico que não deveria ser misturado com álcool e dá para imaginar o que aconteceu. No dia 1º de abril de 1978, Sandy Denny deu o último concerto de sua vida e 17 dias depois entrou em coma, morrendo no dia 21 de abril de 1978 com apenas 31 anos.

Em apenas 11 anos de atividade, Sandy Denny criou uma obra incomparável em termos de qualidade, através de composições próprias que marcaram muitos músicos e também pela gravação de canções tradicionais com arranjos modernos e sua voz excepcional que mistura a dose perfeita de tristeza e paixão. Mesmo trágica pelo uso excessivo de drogas e álcool, segundo os amigos para tentar superar a timidez e equilibrar esse problema com a vontade de ser uma cantora conhecida, Sandy Denny é sem dúvida a Rainha Inglesa do Folk.