O folk é pop: um texto sobre Humberto Gessinger e o pezinho folk em suas músicas

por

Quase todo amante de música que cresceu nos anos 80, ou que conviveu com pais, tios e primos dessa época conhece bandas e músicas do Rock nacional, que nessa época ganhou espaço e projeção. Entre as muitas bandas que se destacaram e ganharam amplitude nacional, estão os Engenheiros do Hawaii, banda gaúcha que começou em 1983, mas que só lançou seu primeiro trabalho em 1986. Letras existencialistas e reflexivas, alinhada a uma sonoridade incrivelmente bem feita formaram uma legião de fãs de todas as idades.

Mas talvez você se pergunte: “mas por quê uma banda de rock dos anos 80 tem um artigo escrito num blog de música folk?”.

Calma, isso tem explicação.

À medida em que o tempo corre e os anos passam, muitas bandas de BRock fizeram um flerte discreto com o folk (a criação do Acústico MTV teve grande parte do processo), mas nenhuma fez isso como os Engenheiros do Hawaii. Desde os primeiros trabalhos da banda você consegue perceber influências nos arranjos e no uso de instrumentos bem característicos do cenário, principalmente da milonga, que é um estilo de música e dança bem comum na parte mais sulista da América Latina, o que inclui o sul do Brasil (e lembremos, o Folkalizando, nosso amado podcast, nos explicou isso nos episódios 1, 6 e 7). Em “A revolta dos Dândis (1987) é marcante a dupla violão/gaita na faixa-título, partes 1 e 2, que junto com Humberto Gessinger, baixista e compositor da banda, formaria uma tríade maravilhosa décadas depois.

A cada lançamento de álbum, esse flerte foi ganhando espaço nas músicas “Somos Quem Podemos Ser” e “Nunca se Sabe” (do álbum “Ouça o que eu digo, não ouça ninguém”; 1988), “Descendo a Serra” (“Várias” Variáveis; 1991) e “Pampa no Walkman” (“GLM”; 1992). Em 1993, a banda lança um disco todo acústico “Filmes de Guerra, Canções de Amor”, com violões, guitarras semi acústicas, gaita, acordeom, piano e uma percussão bem leve.

Com a última década do séc. XX, o que antes era um flerte modesto foi ganhando espaço, e bandolins e gaitas (tanto as de boca, como as de mão) passaram a encorpar o som de uma banda que já impactava o cenário musical a um tempo. Mas é em 2004 que surge “Engenheiros do Hawaii, Acústico MTv”, que podemos dizer que foi a porta de entrada de muitos para o cenário folk (pelo menos foi para este que vos escreve.) A recepção do público foi ótima e outro acústico, “Novos Horizontes” (2007), onde Gessinger inclui a viola caipira, resultando numa sonoridade incrivelmente agradável.

Em 2008 a banda entra em hiato (que dura até agora) mas Humberto Gessinger continua trabalhando em formato acústico, e lança junto com Duca Leindecker o projeto Pouca Vogal. A grande sacada do duo foi a utilização de instrumentos com os pés, algo parecido com muitos one-man-bands, algo bem característico do gênero musical que mais amamos. Leindecker toca, em cada pé, um bumbo e uma meia lua, enquanto Gessinger toca um teclado de pés, instrumento bem comum em bandas de rock progressivo. É quase teatral, mas não deixa de ser gostoso não só ouvir, mas ver músicas como “Breve”, “Além da Máscara” e “Toda Forma de Poder/Banco” sendo executadas.

Gessinger fez muitas participações com músicos do cenário regional gaúcho, mas quando entra de vez na carreira solo, em 2013, o rock divide espaço com o folk gaúcho, tanto nos estúdios como ao vivo. Em “Insular” (2013) é metade do álbum (“Sua Graça”, “A Ponte Para o Dia”, “Recarga”, “Milonga do Xeque- Mate”, “Essas Vidas da Gente” e “Segura a Onda, DG”). No seu trabalho mais atual “Não Vejo a Hora” (2019), são 3 músicas apenas: “Bem a Fim” e as gêmeas “Estranho Fetiche” e “Estranho Fetiche”. Mas algo interessante é que, nos últimos anos, Gessinger tem feito suas turnês com dois trios, um elétrico e um acústico. Sinal que a música folk realmente fez e faz parte do seu DNA.

Humberto Gessinger é o que podemos chamar de “rockeiro folk”, quase uma unanimidade entre os amantes da música nacional. Do folk também. Vale a pena o que esse “estrangeiro, passageiro de algum trem” tem a nos dizer.