O “folklore” da Taylor Swift
por Maísa Cachos
É impressionante como alguém pode impactar uma indústria, né? Confesso que ainda estou digerindo o “folklore”, novo álbum da Taylor Swift, lançado no último dia 24 de julho, e descobrindo várias teorias por trás dele, mas já foram tantos pedidos para que comentássemos o disco que precisei escrever sobre.
A primeira coisa que você precisa saber aqui é que eu tenho conhecimento quase zerado do background musical da menina Taylor. Sei que ela é extremamente bem sucedida no que faz, mas sabe quais foram meus principais contatos com a música dela? A participação dela num álbum do John Mayer, quando eles estavam namorando milianos atrás; a reconstrução do seu “1989” pelo Ryan Adams; o vídeo abaixo da BBC Radio 1 dela cantando a faixa “White Blank Page”, um dos hits dos Mumford and Sons – à saber, a primeira música que já ouvi da banda e uma das minhas favoritas até hoje. No mais, sei que ela nasceu ali no universo country-pop de Nashville e gosto bastante de um par de músicas dela que já ouvi. Daí eu estar reticente pra escrever este texto. Portanto, vou escrever aqui não uma resenha, mas uma reflexão.
Vamos voltar para a pergunta inicial. É impressionante como alguém pode impactar uma indústria, né? Eu li vários comentários sobre o disco e de como ele pode ser uma piada para os artistas realmente folk e realmente indie. Mas queria que vocês pensassem um pouco sobre o que é ser realmente folk e realmente indie. Tomando como base o que significa a palavra “folklore” em si, que é basicamente “conhecimento popular”, não estaria mesmo a Taylor sendo honesta com o trabalho que entregou? E a cena indie que começou com artistas independentes e hoje se tornou um novo estilo musical que fatura milhões no mercado de streamings e da música ao vivo? O que é indie afinal nos dias de hoje?
Bem, o álbum saiu nos mais diversos portais de notícias sejam musicais ou não. E recebeu tudo quanto é tipo de comentário. Vou listar alguns que li aqui para vocês:
A Tribuna Online chamou o álbum de “surpresa intimista” e disse que nele “a cantora americana amadureceu e canta dores, sentimentos e reflexões universais”. O portal destaca ainda faixas como “peace” que fala sobre relacionamentos amorosos e “epiphany” que fala sobre a pandemia que estamos vivendo.
Aqui em Portugal, onde vivo, o Jornalismo Porto Net é dos que classificam o álbum como indie folk e um dos trabalhos mais maduros dela, e diz ainda que ele “é um projeto muito diferente dos recentes álbuns de Taylor e também diferente dos primeiros álbuns country da artista, mas, de certo modo, representa um voltar às raízes”. “Ouvir o álbum uma vez não basta. As letras, o storytelling, as referências, as metáforas de que estas canções estão recheadas não são de rápida assimilação”, afirma o portal. E taí algumas das razões pelas quais eu demorei a escrever este texto aqui. O JPN destaca ainda três faixas do álbum que contam a mesma história de um triângulo amoroso em três perspetivas diferentes, são elas “betty”, “cardigan” e “illicit affairs”.
Já a TodaTeen (sim, eu leio muita coisa antes de indicar algo para vocês) escolheu focar ali em teorias que existem por trás da criação do trabalho. O site disse que o álbum conta com “composições profundas e um folk repleto de fantasia” e que entre muitas conspirações existe a de que o tal William Bowery que é um dos colaboradores na verdade é um um pseudônimo para o seu namorado, o ator Joe Alwyn.
O site da BBC disse que o álbum vê a artista migrando para o indie. E enfatiza faixas como “the last great american dynasty”, que conta a história da socialite excêntrica Rebekah Harkness; e “mad woman”, na qual ela examina a difamação pública que recebeu após brigar com Kim Kardashian e Kanye West.
Já a CNN destacou elogios recebidos pelos críticos e fãs e classificou o clipe de “cardigan”, o primeiro do trabalho e que foi gravado durante o confinamento, como “uma aventura sombria meio ‘Alice no País das Maravilhas’, com a Taylor subindo ao piano para se proteger de uma tempestade”.
E o The Guardian, surpreendentemente (ou não), deu suas cinco estrelas para o trabalho e usou um elogio que foi dos meus favoritos: “lançado com pouca fanfarra, essa mudança para composições mais suaves é a prova de que a música de Swift pode prosperar sem o drama das celebridades”. A resenha aqui é das mais robustas que li e fala sobre maturidade, experimentalismo, expectativa de sua fanbase, minimalismo, coerência com o tempo em que o trabalho foi lançado e muitos elogios sobre sua capacidade e habilidade vocal. Outra coisa surpreendente? Uma comparação inusitada com Sufjan Stevens em seu memorável “Carrie e Lowell”. Laura Snapes, que escreveu o texto do Guardian fala com propriedade que “no extremo oposto da escala, ‘this is me trying’ cresce sutilmente em sua grandiosa orquestra destruída, soando ainda mais perturbadora ao ver como a voz de Swift, processada em uma distância fantasmagórica e vasta, parece abranger toda a música com seu desespero”.
Relembre: Justin Timberlake flopou na ideia de ‘Modern Americana com 808s’ em “Man of the Woods”?
Dito tudo isto, vamos a minha opinião pessoal sobre o álbum. Sendo bem sincera, até a sétima faixa, mais ou menos, eu me perguntei onde diacho estava o folk no disco. Estava gostando do que estava ouvindo? Sim. Eu gosto de pop e, apesar de poucas experiências, sempre simpatizei com o que ouvi da Taylor. Mas tudo mudou ali pela metade do trabalho quando as faixas começaram a soar com o que costumo ouvir e que vem dessa tal geração de indie folk. Bon Iver (que participa do disco), Novo Amor, Phoebe Bridges, Laura Marling, Lucy Rose, Roo Panes… Sério. Deem uma chance a “seven”, foi ela a primeira faixa que me fez para e pensar “eita, pera que essa aqui é na minha área”. Ela também me lembrou o Sufjan Stevens (high five, Laura!). Já “illicit affairs” é uma das minhas favoritas: dedilhados que sempre amo, ambientação e sutileza na voz. Algo parecido acontece ali em “betty”, mas com o acréscimo de uma gaita tão bonita.
Voltando rapidinho ao conceito de folk e ao seu papel na indústria, já discutimos isso diversas vezes em nossos papos no Folkalizando, o nosso podcast. E já comentamos diversas vezes sobre a evolução do mesmo no mercado musical. Se na era medieval, um bardo transmitindo uma mensagem para alguém era folk, em 1940 o folk foi a voz do povo transmitida através de nomes como Pete Seeger e Woodie Guthrie. Se em 1960, o folk falou de injustiças sociais e direitos civis através de Bob Dylan e Joan Baez, em 2010 recontou histórias fantásticas da Islândia com os Of Monsters And Men e embalou letras sobre corações partidos e amores dilacerados dos Mumford and Sons. Uma coisa nunca anulou a outra.
E em 2020? Pois é… Temos a Taylor cantando sobre amores e os problemas da sociedade atual. Mergulhando em si e no meio a qual pertecente. Brincando entre as faixas, movimentando o mercado. E, apesar de muitos não concordarem com o título do seu álbum (o que tenho certeza que ela está pouco se lixando. Afinal, contou com o super apoio de mitos musicais como Aaron Dessner, do The National, e Justin Vernon aí por trás), é através dele que Swift está levando uma geração de fãs a pesquisarem sobre o estilo folk e conhecerem algo que todos nós aqui nesse blog achamos que conhecemos muito bem. É o papel dela como influencer. Como artista.
Daqui uns anos, garanto pra vocês, a maioria de nós sequer vai lembrar deste álbum. Mas o impacto que ele causou nas pessoas que o ouviram e conheceram novas coisas, como a música folk em si, isso fica. Isso vai seguir com elas. E para mim é o mais importante.
Para finalizar, porque acho que já me prolonguei demais. Achei o nome do álbum exagerado? Sim. Uma baita estratégia de marketing? Com certeza. Uma abertura de olhos do mercado e da imprensa para o estilo musical? Pode apostar que sim. Como alguém que acompanha lançamentos nesse segmento musical com afinco há quase uma década, falo com propriedade que fazia tempo que não via a palavra folklore ser tão repercutida assim. Pode ir agora mesmo no Google pesquisar a palavra. Te garanto que vai aparecer mais coisas sobre este trabalho da Taylor que sobre o folk em si. Ah… E, depois disso, pode esperar mais um bocadinho de bandas, duos e artistas solo fazendo esse tal de indie folk que vem dominando as playlists de Streaming. E pode esperar mais posts como este do Espalha Factos aqui de Portugal, que indica “Cinco cantautoras que tens de ouvir se és fã do novo álbum de Taylor Swift”. São mulheres que fazem seu trabalho há anos, mas provavelmente só serão conhecidas agora porque a Taylor deu este passo com seu novo disco.
Recomendo ouvir o álbum? Sim também. Seja pra reclamar com propriedade, seja para se surpreender com sua qualidade e consistência. Dê uma chance, depois segue a vida e ouve as coisas que realmente gosta e importam pra você. O “folklore” da Taylor pode não ser o seu, mas certamente é o dela e o de milhares de arrobas no Twitter que mudaram seus usernames para “folclórica”. Aprenda a lidar com isso.