Piers Faccini reforça mensagem de novo álbum com um clipe absolutamente fantástico

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Foi em março deste ano que eu comecei a prestar mais atenção na obra de Piers Faccini, um músico ítalo-britânico que tem o poder de explorar temas ambientais num riquíssimo diálogo musical entre a Europa e a África.

Na ocasião, postei aqui no blog sobre o lançamento de seu single “All Aboard”, faixa que foi inspirada na narrativa do dilúvio e que traz a tona uma discussão profunda sobre a mudança climática e a devastação do mundo natural que estamos vivendo. Não bastasse a carga da canção em si, ele conta com a participação de Ben Harper e de Abdelkebir Merchane para enriquece-la cultural e musicalmente.

A faixa ganhou agora no comecinho de abril um clipe absolutamente fantástico, dirigido por Hugo e Rodolphe Jouxtel (La Blogotheque/Fantômes), que reforça não só a mensagem da canção, como a de todo o seu novo álbum. A saber “Shapes Of The Fall” foi lançado no mesmo dia que o clipe e é o sétimo álbum de Faccini em uma carreira de mais de vinte anos.

Mas vamos por partes aqui. Primeiro, falemos do vídeo. Como já havia comentado no post sobre o single, “All Aboard” faz um grande apelo à ação enquanto a tempestade da mudança climática e a devastação do mundo natural ganham força. E o clipe, através de uma animação que presta homenagem ao desenho clássico francês e aos estilos de quadrinhos, traz para o visual o que apenas estávamos ouvindo, mostrando a visão distópica dos últimos dias em detalhes vívidos.

A faixa, sem dúvidas, é o carro-chefe de sou novo disco. Sobre ela, Faccini conta que imaginou “uma arca moderna, com animais e plantas, carregando sementes e cargas preciosas para sobreviver e começar uma nova vida. Mas também escrevi a música como uma espécie de paródia, para destacar o absurdo da inação da humanidade diante de uma catástrofe iminente”. E completa: “peferimos deixar nossa casa e planeta e nosso próprio paraíso queimar na nossa frente, em vez de apenas embarcar em uma nova narrativa verde e tudo a bordo de uma maneira de evitar esse cenário apocalíptico”. Já sobre o clipe, ele reforça: “há uma sensação de desenho animado de ficção científica francesa dos anos 70 em sua animação que me traz de volta à minha infância com referências a artistas como Moebius, Enki Bilal ou Philippe Druillet. As belas e evocativas paisagens foram desenhadas por Audrey Jouve”. Assista ao clipe:

Agora falemos um bocadinho do álbum. Gravado ao vivo em um estúdio de fazenda no interior da França, e co-produzido por Fred Soulard, “Shapes of the Fall” baseia-se fortemente na própria ancestralidade de Faccini, nos modos e ritmos do sul da Itália, árabe-andaluz e sefardita, criando uma ponte entre o sul da Europa e o próximo Oriente e África.

Começando com seu fascínio pelo Tarantismo da Puglia e o último exemplo conhecido de ritual e música de trance na Europa, o álbum atravessa as estreitas retas do Mediterrâneo, acompanhado por dois irmãos argelinos e mestres instrumentistas, Malik e Karim Ziad, para interagir com as tradições do trance no Magrebe e na cultura Berber e Gnawa.

Para além de toda essa carga cultural, uma mensagem extremamente importante é propagada neste trabalho. Ruína ou reparo e esperança ou desespero são as narrativas paralelas de “Shapes of The Fall”.

Como um todo, o disco indaga sobre qual parte de nossa natureza prevalecerá no mundo moderno. Existem paralelos não apenas com o efeito destrutivo dos humanos nos ecossistemas do mundo natural ao nosso redor, mas também com os monólogos internos de nossas próprias vidas, nossos próprios reflexos. Como amarramos as contas de nossas vidas? Que escolhas, que ações determinarão nossa ascensão ou queda? Será que nós – como o velho de asas quebradas da história de Gabriel Garcia Marquez – aprenderemos a voar novamente ou estaremos destinados a cair?

Sem dúvidas, este é um dos álbuns mais ricos que ouvi nos últimos anos. Encerro a audição ainda mais adimirada sobre o poder de Piers Faccini acolher e difundir tantas sonoridades ao ponto de desafiar qualquer categorização de sua música. Será folk? Será World Music? Sinceramente, ao terminar de ouvir este álbum, isso sequer importará.

Se me permite só mais uma indicação, ouça “Paradise Fell” de olhos fechados com um cafézinho a aquecer as mãos e tente não pensar em todas as merdas que fazemos com o nosso planeta, sem sequer prestar atenção.