Procurando o Folk em Florianópolis
por Alan Christian
*Este post é a transcrição de uma reportagem feita por nosso colaborados Alan Christian como um dos trabalhos finais do semestre do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina*
Cruzando a ponte e entrando na Ilha de Santa Catarina, onde está localizada a parte insular da capital Florianópolis, o visitante visualiza as placas e escolhe seu destino. Se decidir pelo norte, encontrará os beach clubs, que atraem celebridades mundiais e que sempre estão brigando na justiça por supostos crimes ambientais (e sempre re$i$tindo). Ao optar pelo leste, chegará à região da Lagoa da Conceição, com seus bares mais tradicionais e com as apresentações de artistas de rua, além de locais que vendem o “famoso” cigarro Gudang (especiaria da cultura local). E se for para o sul, descansará nas praias mais tranquilas, onde ocorrem alguns luaus à beira mar com canções acústicas e improvisadas. Também pode permanecer no centro, onde estão localizados alguns dos bares mais moderninhos e famosos da cidade, cujas filas se formam com jovens que experimentam desde cervejas importadas até corotes de canela.
Vasculhando esses pontos, é um desafio encontrar cantos onde haja música folk ou músicos de folk. O gênero, que vem ganhando mais fama e artistas no Brasil nos últimos anos, até está presente na capital catarinense, mas acaba ficando de fora dos holofotes locais.
Entretanto, antes de procurar algo, é preciso conhecer o que está sendo procurado. Definir o que é música folk pode render discussões de horas, inclusive entre especialistas no assunto. Maísa Cachos é fundadora e mantenedora do site Folkdaworld, maior portal sobre o gênero no Brasil, que existe desde 2014. Para ela, a definição do gênero folk pode ser bem complexa ou bem simples, depende do ponto de vista de cada um:
“Historicamente falando, a música folk era a música que dava voz ao povo. Era através dela que as pessoas expunham suas dores e alegrias, contavam suas histórias. Musicalmente falando, ela carrega em si os instrumentos acústicos: violão, banjo, bandolim”, explica.
Maisa também alerta que, com o passar dos anos, a música folk foi ganhando novos elementos, se misturando com outros ritmos e ganhando novos temas para suas letras. Ainda de acordo com ela, uma grande mudança ocorreu nos anos 60, quando o cantor Bob Dylan popularizou o nome “folk”, dando um significado mais comercial ao termo. “Mas a sua essência é ser uma música crua, simples e que dá voz ao povo”, finaliza.
Alguns leitores do portal arriscam definições em uma frase: “Três acordes e uma verdade”, digita o usuário Gustavo Freitas, cujo comentário rende 5 curtidas. Deibe Viana vai mais a fundo: “O que brota do compositor com seu violão, a partir de uma germinação experimental, mesclando sentimentos, amores, família, tempo, vida, ambiente”. Já Aliandra Machado é mais poética: “Liberdade na alma e no ouvir”.
Uma resposta mais objetiva, por meio de exemplos, pode ser encontrada na categoria “Folk”, do Spotify. Dentre as variações de subgênero, lá são encontrados nomes como Bon Iver, Of Monsters and Men, Fleet Foxes, The Lumineers e Iron & Wine, além dos brasileiros Suricato, Folk na Kombi e Vanguard. Visualmente, muitos desses artistas seguem uma moda que remete à vida rural: chapéu, bota, calça surrada e barba. Tocam instrumentos simples enquanto batem com o pé no chão, em apresentações acústicas.
Tendo essas características como bússola, ainda que sem um consenso geral, o autor desta reportagem foi em busca, em 2019, de alguns músicos de folk que atuam em Florianópolis. Confira agora as histórias de quatro deles, que trilham caminhos diferentes dentro do cenário florianopolitano desse gênero musical.
O cantor do folk urbano
O local onde aguardo minha fonte é adequado para a entrevista. Vitrines de vidro, público universitário, celulares de última geração sobre as mesas, conversas com termos em inglês pelo ar. Estou dentro do principal campus da Universidade Federal de Santa Catarina, em um café dentro do Centro Tecnológico da instituição, mais conhecido como CTC. Denis Graeff entra apressado pela porta logo após minha chegada, mesmo sem estar atrasado.
Natural de Blumenau, mas morador de Florianópolis desde os 18 anos, Denis é servidor público do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. No Youtube, é possível encontrar um vídeo em sua homenagem, publicado pela própria entidade. Entretanto, apesar do trabalho exemplar que exerce atrás de uma mesa e em frente a um computador, seu coração está em outro lugar: na poesia e na música.
Assim ele se define. Poeta e músico. Então pergunto: Entre as duas coisas, você se considera mais o quê? “Atualmente mais músico, embora isso sempre esteja mudando. ”
A resposta reforça o motivo da minha entrevista, pois é exatamente da música que quero saber. Afinal, não é fácil encontrar músicos do gênero folk na região, menos ainda algum que tenha tempo para encontrar um estudante de jornalismo para uma conversa que não irá parar em um grande jornal.
Mas Denis valoriza todas as chances de entrevista, pois sabe das oportunidades raras que o folk proporciona na capital, ainda mais por não ter conseguido realizar nenhum show em 2019, diferente do ano anterior, quando conseguiu realizar algumas apresentações na cidade. Seus trabalhos mais recentes envolvendo música foram apenas como DJ (também já atuando na função há alguns anos).
Embora o folk tenha conexão com o estilo rural, Denis revela nunca ter tido afinidade com esse modelo de vida: “ Se me convidarem para acampar no mato, eu não vou”.
Sua proximidade com o gênero tem ligação com o cantor Leonard Cohen, sua maior inspiração. O músico canadense, falecido em 2016, é conhecido pelo estilo de folk “moderno”, com raízes na cidade grande, com letras sobre as metrópoles.
A inspiração pode ser observada em seu recente e único álbum oficial, o “Bulnes 12 40”, lançado em 2018. O disco é uma homenagem à cidade de Buenos Aires, capital que Denis considera como símbolo da cultura sulista da América.
Outro fator determinante foi o clima da cidade: “Se Cohen tivesse gravado um disco sobre a América do Sul, certamente seria sobre Buenos Aires. Lá há um clima de melancolia que ele adorava. Então resolvi gravar um disco sobre a cidade que ele não teve a oportunidade de gravar.”
A atmosfera melancólica, comentada por Denis, está nitidamente impressa no trabalho, por meio de letras e acordes tristes, além da estética visual da capa do álbum, nas cores preto e branco. “Acredito que por trás do cinza das grandes metrópoles há muitas histórias de pessoas que precisam ser ouvidas, que vivem em uma realidade pesada. Por isso optei por esse caminho também”.
Apesar de ser brasileiro e ter gravado seu disco em homenagem à metrópole argentina, com quase todas as canções com títulos em espanhol, a maioria delas é cantada em inglês. Mas essa mistura cultural pode ser explicada: “Como meus maiores ídolos cantam em inglês, também queria gravar canções que outros fãs deles entendessem, e assim também consigo divulgar nossa cultura do sul do continente americano para resto do mundo, por meio de um idioma mais acessível”.
Além disso, Denis já trabalhou durante um tempo nos Estados Unidos, em um cassino e em um restaurante. Também fez sua primeira apresentação profissional em um bar em Nova Iorque, durante um curto período em que passou na cidade, em 2014.
Sobre a possibilidade de largar a estabilidade do emprego público para arriscar de vez na carreira musical, ele reflete e responde de maneira segura: “Olha, eu não quero passar o resto da minha vida atrás da tela de um computador. Inclusive penso em tirar em breve uma licença do trabalho para ir divulgar meu trabalho no Canadá [país de Leonard Cohen]. Lá tenho mais chances de fazer sucesso, pois aqui [Florianópolis] é impossível viver da música. Não temos um cenário.”
“Por que é impossível?”, pergunto.
“Ah cara, é uma série de fatores. Primeiro porque há cada vez menos incentivo público para a cultura em Florianópolis. Fora isso, muitos bares que tentam dar espaço ao cenário mais alternativo acabam fechando, muito por conta das diversas batidas da polícia, além da falta de organização dos próprios músicos”, responde em desabafo.
Após a conversa, saímos do café caminhando na mesma direção, trocando mais algumas palavras sobre o assunto. Nos despedimos perto da Biblioteca Universitária, e vou embora observando Denis Graeff desaparecer no escuro, entre prédios cinzas.
“Well it’s the city of cities
You go out and find someone to dance
If by the end you still haven’t found love
Well you go and
Dance again”
“Milongueta” — Denis Graeff.
Veja também: Denis Graeff mescla Leonard Cohen e música Latina em seu primeiro disco
Músico, fotógrafo, viajante e estrategista digital
Se você procurar por Miguel Rosa no Youtube, um sujeito de barba, gorro amarelo e óculos surgirá nos resultados de busca. 903 inscritos. 24 videos. Seus videoclipes são de alta qualidade de produção. Como pano de fundo, sempre o ambiente rústico. Interiores de um celeiro e uma cabana, um alpendre de madeira, com bancos de madeira. Outros elementos campeiros, como o fogo de chão e o pelego de ovelha também estão presentes. E lá está ele, barba de lenhador, transparecendo uma feição séria, com seu violão envolvido no braço onde há uma tatuagem de pássaro. “Sempre tive esse estilo com barba, não fiquei assim por causa do folk”. Ele também aproveita para destacar que a rotulação folk só surgiu como estratégia comercial, pois não gosta de encaixar sua música como um gênero específico. A escolha por letras em inglês também segue esse caminho: “Mercadologicamente é mais rentável”.
E sobre estratégias, ele entende bem. Percebendo o potencial do ambiente digital, realizou uma manobra no Spotify para ganhar mais destaque. “Eu já tinha minhas músicas lá, mas derrubei todas e depois relancei, seguindo alguns segredos de mercado da plataforma”. Atualmente, sua média de ouvintes mensais é de 3 mil, com público de mais de 50 países. Ele também está presente em uma das playlists oficiais do Spotify, a Indie Stage, que conta com 420 mil seguidores.
Natural de Bauru, São Paulo, e morador fixo de Florianópolis desde 2016, Miguel é formado em administração. Além de músico, é fotógrafo de produto e gastronomia há mais de 10 anos (principal fonte de renda). As duas paixões artísticas sempre estiveram presentes em sua vida. É tocador de instrumentos de corda desde criança, influenciado pelo pai. O amor pela imagem também é antigo: “Nas viagens de família, ainda na infância, eu costumava observar as coisas enquadradas, como uma foto”.
Em janeiro de 2015, Miguel teve a oportunidade de trabalhar seu vocal e seu olhar juntos. Um amigo estadunidense de anos, chamado James Chubb, que também vivia em Bauru na época, o convidou para uma jornada no estilo on the road, parecida com a presenciada no livro homônimo de Jack Kerouac, conhecida como a “bíblia da geração beatnik dos anos 60”.
A proposta era a seguinte: ir de avião até Washington DC, nos Estados Unidos, a fim de buscar uma camionete antiga de James, Ford F100, ano 66, de três marchas. A volta seria com ela, descendo até a cidade paulista. “Como sempre tive essa paixão pela estrada, aceitei na hora”, lembra Miguel.
Ao todo, foram 35 dias de viagem, cruzando 13 países e rodando aproximadamente 16 mil quilômetros. Quando passaram pelo estado do Texas, Miguel comprou um violão e passou a ser o bardo da viagem. Como o carro não tinha rádio, Miguel fazia essa função, enquanto James dirigia até 14 horas por dia. A dupla passou por alguns perrengues: sem ar condicionado, sofreram com temperaturas extremas, além de terem que parar seis vezes por problemas mecânicos.
Durante o percurso, Miguel foi realizando registros fotográficos do caminho e das pessoas que eles encontravam. Ele também compôs novas canções, que acabaram indo para o seu último EP, “Easy Folk”, lançado oficialmente em 2019. “O nome “easy” (fácil, em português) veio porque minhas músicas são simples”.
A experiência da viagem rendeu fama aos dois amigos. No mesmo ano, devido à façanha, eles foram entrevistados três vezes na TV. Uma das entrevistas ocorreu no programa Encontro com Fátima Bernardes. A jornalista, inclusive, chegou a passear ao vivo na camionete, enquanto falava com Miguel. Com a fama nacional, até o veículo ganhou nome: “Caroteno”.
Desde então, Miguel não apareceu mais nos holofotes da região sudeste. Nem pela viagem, nem pela música. No primeiro semestre de 2019, conseguiu se apresentar 14 vezes, sendo 13 delas em Florianópolis, embora tenha uma opinião negativa sobre a cidade: “Floripa parece ser grande centro, mas não é. Até poderia tocar mais aqui, em bares, mas quero grandes casas. Me coloco no mercado dessa forma”.
Miguel também lembra de um evento que ocorreu no extinto Lambretta Bar, centro da capital, em 2016. “Eu e o Denis Graeff tocamos lá, mas foi uma vergonha de público, tinham duas mesas ocupadas”. Entretanto, de acordo com o bauruense, o problema não é a falta de interesse dos fãs. “Público tem. O problema é que é preciso criar uma cena de folk para dar certo, e Floripa não tem. Aqui falta união do cenário e divulgação.”
Mesmo trilhando um caminho profissional rentável como fotógrafo, Miguel confessa que quer conseguir o mesmo com a música. “Quero fazer em breve uma turnê pelo Brasil, me apresentando em grandes centros. Sinto que minha carreira como músico vai virar, e se não virar eu continuo compondo”. Essa perseverança com seus sonhos está presente em suas atitudes e suas falas, conforme pode ser notada em um trecho de uma de suas entrevistas para a TV, em 2015: “Eu acho que não podemos ficar fugindo do que queremos. Temos que encarar nossa verdade e fazer o que a gente ama”.
“Then i tried
And that’s okay
And i’ll try one more time
And that’ll be no mistake
Then i tried
And that’s okay
And i’ll try one more time
And that’ll be no mistake.”
“I Tried” — Miguel Rosa.
Veja também: ‘Easy Folk’ um EP inspirado numa viagem por 13 países a bordo de uma caminhonete 1966
O baixista da arca folclórica de Noé
Danilo Brito no baixo, Bruno Bastos na guitarra, Felipe Hipolito na bateria e Murilo Brito na voz e violão. Essa é a composição da banda NOAHS, que nasceu em 2014. Em maio deste ano, chegaram a tocar no Parque Burle Marx , na capital paulista. “O local que mais ouve o nosso single Talk to Me no Spotify é a Cidade do México, depois São Paulo”, revela Danilo, sentado em frente ao café Patagônia, no bairro Trindade.
O grupo mantém a média de duas apresentações por mês, quase sempre fora do estado de Santa Catarina. Embora os integrantes já tenham a banda profissionalizada, contando com CNPJ e advogado, ainda é preciso outras fontes de renda. Danilo atualmente também é instrutor de inglês, além de fazer outros bicos na noite. Foi barman da extinta casa noturna Treze. Também já apareceu na praça da Lagoa da Conceição em um domingo, tocando violino, com a caixa para arrecadação de gorjetas ao seus pés. Ainda na música, faz freelas como baixista para músicos de jazz. “Sou um workaholic”, admite.
Danilo é irmão de Murilo, também integrante do NOAHS. Naturais de Goiânia, os dois vieram para Florianópolis há mais de 10 anos. “Nós moramos um tempo com a nossa mãe no Canadá. Quando voltamos para o Brasil, não queríamos mais ficar em Goiás, então viemos para cá por indicações de amigos”. A decisão, segundo ele, foi boa: “ Floripa tem uma visão mais ampla de tudo. Muitas pessoas daqui já moraram em outros países, tendo mais interesse por culturas”.
Cantar em inglês sempre foi natural do irmão, vocalista da banda. A escolha se deu pela influência externa, de grupos de folk como The Head and the Heart, Of Monsters and Men e Boy and Bear. Assim, a banda NOAHS traçou esse caminho, colocando-se dentro do subgênero indie folk.
Apesar de já ter certo reconhecimento no cenário alternativo de Florianópolis e também do Brasil, Danilo revela os sonhos ainda não alcançados: “A banda para nós é como se fosse uma missão, porque … (pausa) .. a gente realmente quer colocar a banda como referência, não só na cidade, mas no Brasil inteiro, inclusive sendo lembrada lá fora”.
Mesmo com um bom número de fãs na capital catarinense, o baixista não deixa de lembrar dos problemas da cidade. “Precisamos aqui de mais casas de shows com qualidade em estrutura, mais estúdios e mais profissionalismo de todos os envolvidos no cenário, desde os produtores até os assessores de imprensa”.
Já o profissionalismo da banda, se mantém em dia. Os ensaios ocorrem em estúdio próprio e possuem a frequência de duas vezes por semana, com duração média de três horas cada. “Quando o baterista entrou para a banda, ficamos um ano treinando antes de gravar e fazer os shows”, lembra.
Apesar das jornadas de ensaio, o maior desafio da história da banda foi outro: o nome. Danilo comenta que escolher “NOAHS” foi a última etapa do processo, quando já estava tudo pronto para se lançarem profissionalmente. “Tínhamos discussões intermináveis sobre isso, inclusive na rua, de madrugada. Não quero nunca passar por esse momento de novo, viu”. Assim surgiu o nome que é uma referência ao personagem bíblico Noé (seu nome em inglês é Noah), embora não tenha sentido religioso. “Muitas bandas de folk que nos inspiramos possuem nomes ou fazem referências a animais, então queríamos ser a famosa arca, para carregar todas essas figuras que nos influenciam, num sentido mais folclórico”.
Durante as apresentações, além de tocar baixo, Danilo possui outra função específica nessa arca. Ele é o tripulante que observa o horizonte com sua luneta invisível. Mas ele não procura por terras, náufragos ou inimigos. Ele observa a atmosfera do público. “Eu sou o que mais faço isso. Sempre estou observando, até quem está bem lá atrás. Sempre faço isso, cara, sempre. Assim dá para perceber quem está empolgado no show”.
Danilo também conta que gosta de andar pela platéia depois do show, para saber das pessoas o que elas acharam da apresentação. “Nós temos uma relação muito próxima com os fãs. Nas redes sociais também sempre estamos interagindo com a galera. Inclusive elogiam a gente por isso”.
“Look how the moon still shines
Look at its tears
There’ll be no morning light
The wind rides away
’Cause love will save us all”
“Love will Save Us” — NOAHS
Veja também: Noahs – dois irmãos e um sonho folk
Entre covers e rascunhos autorais
Era“um sorriso que parecia encarar todo o mundo, a eternidade, e então se concentrava sobre você, transmitindo-lhe uma simpatia irresistível. Era um sorriso que o compreendia até o ponto em que você queria ser compreendido, acreditava em você como você gostaria de acreditar em si mesmo e lhe garantia que tinha de você a impressão mais favorável que você teria a esperança de comunicar”. É possível pensar nessa frase do livro O Grande Gatsby ao lembrar do cumprimento de Augusto Bon Vivant. De feição bem humorada e exalando confiança no olhar, o cantor reforça seu tom cordial na frase que abre seu site: “HEY! que bom ter você aqui!”. Fisicamente, não foge à regra: barba grande, chapéu e flanela.
Morador da região de Florianópolis há 10 anos, Augusto veio de Tangará, cidade do oeste catarinense com menos de 10 mil habitantes, cuja economia é movimentada principalmente pelos plantadores de milho e pecuaristas. Ainda criança, nesse pequeno município, já ouvia discos de Bob Dylan e Willie Nelson, além de coletâneas de country music dos anos 90. A influência veio do pai. Conforme ia crescendo, participou de bandas de rock e bandas de blues, quase todas de garagem. Entretanto, acabou se encontrando na música ao se envolver com estilos que utilizavam harmônica na composição, como o folk, o blues e o country. “Aí preparei um repertório, ensaiei e comecei a procurar locais que abraçassem os estilos que eu interpreto.”
Entre as influências do folk, a absoluta é Bob Dylan. “Comprei uma harmônica e soprei até aprender por causa dele. Eu já tocava violão e queria fazer o que ele fazia”. Já seu lado blues foi chacoalhado por nomes como BB King e Muddy Waters.
Ao definir o gênero, ele faz uma reflexão interior: “O folk me remete às minhas origens, minhas memórias, minhas emoções, meus medos, minhas dores, meus amores…. minhas noites boêmias.”
A escolha dos estilos parece ter dado certo para o músico. Em 2018, Augusto fez cerca de 150 shows. Já este ano, já foram mais de 100 até junho, tendo feito em média 20 shows mensais. Seu repertório é composto essencialmente de covers de clássicos do folk, blues e country, acompanhados pelo violão e pela harmônica. “Atendo muitas cervejarias, eventos particulares e corporativos”. Segundo ele, seu sucesso se deve por seu repertório, pela maneira de tocar (com harmônica), pelos contatos que fez e pelas indicações pelo bom trabalho.
Augusto conta ter atualmente 10 músicas autorais prontas para gravar (algumas já em processo de gravação). “Já no caderninho de rascunhos tem uma cacetada de letras esquecidas e inacabadas. De tempos em tempos eu passo o olho mais fresco no caderninho e vejo o que consigo aproveitar em novas canções”.
Apesar da ascensão da carreira, Augusto não vive só da música. Desde antes de voltar aos palcos, ele tem um e-commerce de camisetas de algodão orgânico, que ainda é uma aposta. Também é uma alternativa de segurança financeira: “Sempre penso que, se eu machucar minha mão ou ficar sem voz, por exemplo, eu preciso de algo flexível e que continue pagando minhas contas. Nós [músicos] não temos plano de aposentadoria, férias, décimo terceiro. Por isso eu optei por um negócio paralelo”.
Mesmo concordando com a falta de um cenário consolidado de folk em Florianópolis e a carência de eventos desse nicho, o tangarense é otimista. “Acredito que temos uma cena folk começando a tomar corpo. A banda NOAHS, o Miguel Rosa e o Denis Graeff são as maiores referências do folk na ilha, com álbuns lançados, videoclipes e trabalhos incríveis. Eles que movimentam a cena”.
“You told me the stories about how you grown.
bou’t how you wanted us to share the same home
but home’s not a building, cause a heart is not a stone,
we love like the wolves howlin to the moon”
Rascunho de “Three Cats” — Augusto Bon Vivant.
A reunião
Uma leve brisa fria paira sobre o Lagoa Iate Clube -LIC, na Lagoa da Conceição, estimulando o público presente a usar um casaco fino. É fim de tarde de 25 de maio de 2019, um típico dia de outono. Ali ocorre o Circuito Patagônia Florianópolis, a 2° edição do evento gastronômico e cultural que percorre cidades do sul do Brasil, com ingressos na faixa dos 90 reais. O ambiente está repleto, em sua maior parte, de casais na faixa dos 30 anos. Boa parcela dos homens bebe chopp e depois limpa os respingos alcoólicos que atingiram a barba. A mulheres também marcam presença na disputa de canecos, acompanhadas de bolsas e óculos de sol.
O cheiro da comida também circula o ambiente. Na parrilha, há carne de cordeiro e crocodilo, além de outras comidas típicas da região do sul da Argentina (que devem ser pagas à parte).
A atração principal é a música. O folk. A primeira apresentação é de Augusto Bon Vivant, que toca covers clássicos, como Bob Dylan e Johnny Cash. O lugar ainda está enchendo, mas alguns presentes já estão próximos ao palco, contemplando a música enquanto revezam a ida aos banheiros químicos. Os mais afastados, conversam e compram fichas para bebidas, iluminados por fileiras de lâmpadas amarelas penduradas em varais.
Após a apresentação de Augusto, Denis Graeff, que trabalha como o DJ do evento, volta ao palco e agora é ele o responsável por selecionar o repertório.
Com a chegada total da noite, já se torna difícil distinguir quem é quem na plateia. A penumbra e a multidão impossibilitam. Ao todo, cerca de 1.300 pessoas estão no local. No entanto, é possível avistar Miguel Rosa, com seu ar de sujeito bravo, presente no LIC como como parte do público. Afinal, ele também é amigo pessoal de Augusto e de Denis. Miguel também havia feito um comentário curioso sobre o evento: “Eles fazem essa ligação da Patagônia com o folk pois vendem a imagem de que lá tem uns barbudos que adoram ficar em volta de uma fogueira”.
O clímax da noite é marcado pela subida da banda NOAHS ao palco, a principal atração do circuito. O entorno do palco está lotado. Mas não são apenas os mais próximos que estão conectados com a música. Danilo, enquanto toca seu instrumento, avista um homem lá no fundo, mais recluso, perto de uma tenda que está vendendo roupas. O baixista percebe a empolgação do sujeito e envia um aceno. O homem fica surpreendido e até olha para trás, achando que não é com ele.
Miguel e Augusto assistem parte de apresentação juntos, em uma grama um pouco afastada. Denis é visto solitário ao lado do palco, escorado em um muro, longe do amontoado humano. Assim, o Circuito Patagônia reúne todos os personagens da reportagem, além do público folk.
O desafio agora é conseguir repetir esse reunião, com todos subindo ao palco ao lado de seus instrumentos. Até parece um sonho.
*Até o fim desta reportagem, em julho de 2019, não foram encontradas mulheres cantoras de folk em Florianópolis.