Quando Odetta cantou Dylan: as canções do bardo na voz de uma das mulheres mais incônicas da música folk

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Esses dias eu tava revisitando uns discos antigos que eu gosto bastante e que nunca escrevi sobre aqui no blog. São coisas antigas mesmo que existem antes de eu sequer existir. Músicas que moldaram gerações e que influenciam muita gente que ouvimos hoje em dia. Caí no “Odetta sings Dylan”, álbum de 1965, que a principio me causou estranheza, depois foi só amor.

Estranheza porque quando o ouvi pela primeira vez, uns três anos atrás, eu não estava nada familiarizada com um tom de voz como o de Odetta, nem com o seu jeito de cantar. Amor porque não é sempre que temos uma mulher dando sua interpretação para músicas de Bob Dylan. E, além disso, com uma aura superior de quem não é só admiradora, mas de alguém que pode assumir aquelas letras como suas porque as verdades ditas ali podem ter até sido escritas pelo Dylan, mas pertencem a ela também.

Vamos a um pouco de contexto aqui. Esse álbum foi lançado originalmente 55 anos atrás, dois depois de ambos os artistas terem se apresentado na famosa Marcha dos Direitos Civis de 1963, em Washington DC. Neste cenário, Odetta estava em plena atividade como artista e ativista dos direitos civis, usando sua voz para propagar aquilo que ela chamava de “canções de libertação”. Já Dylan estava dando alguns passos para além de suas músicas de protesto, mas ainda não tinha começado a gravar com instrumentos eletrônicos, revolucionando o mercado da música mais uma vez.

Existem alguns pontos importantes nesse disco que merecem nossa atenção. Um deles é que o trabalho é um dos primeiros álbuns de covers de Dylan e ele foi gravado por alguém que inspirou Dylan a fazer o que faz (há quem diga que Dylan começou com uma banda de rock e foi depois de ouvir Odetta que se voltou para as cordas acústicas do violão. Dúvida? Lê isso aqui.). Outro é a seleção das músicas em si: temos grandes hits, mas temos também faixas que não tiveram lá grande destaque na carreira de Dylan, algumas foram poucas vezes regravadas até hoje, inclusive. Ainda falando sobre as faixas, é curioso que, apesar de Odetta ser ativista dos direitos civis, ela decidiu incluir no trabalho algumas canções de amor também.

A aura do disco é mais blues que folk em si, o que combina super bem com o jeito soulful de Odetta interpretar o que canta. Os arranjos de violão são impecavéis. Minha faixa favorita é, sem dúvidas, “Don’t Think Twice, It’s All Right”. Mas não deixem de prestar uma atenção especial a versão de mais de 10 minutos de “Mr. Tambourine Man” (à saber, lançada por Odetta três meses antes de ser lançada por Dylan) que conta com a participação especial de Bruce Langhorne, tocando… tambourine. Há quem diga que a canção foi inspirada no músico. Verdade ou não, a participação dele é maravilhosa. Inclusive ele toca violão em todas as faixas. Os arranjos do disco são deles, se não me engano. Aliás Langhorne acompanhou não só Odetta neste disco, ele acompanhou Dylan em outros trabalhos, e também Mimi e Richard Fariña.

Vai por mim, quanto mais você pesquisar sobre esse disco, como ele surgiu e quem participa dele, mais interessado(a) você vai ficar sobre as músicas que estão nele e em tudo o que envolve a relação Dylan e Odetta. Minha recomendação é que você escolha bons fones de ouvido e feche o olhos ao dar play nessas canções. Dúvido que não se sinta num dos cafés lá de Greenwich Village no meio de um show intimista desta que é uma das maiores vozes da música afro-americana.

Antes de deixar vocês com o play. Vale dizer também que, em 2000, o álbum foi relançado no Reino Unido pela RCA Records, incluindo as faixas “Blowin ‘in the Wind” (que apareceu pela primeira vez em “Odetta Sings Folk Songs”, de 1963) e “Paths of Victory” (que está em “Odetta Sings of Many Things”, de 1964). Agora sim, aproveitem a audição.