“Time Without Consequence”: Alexi Murdoch e seu olhar espiritual sobre as experiências nossas de cada dia
por Cléo Medeiros
Posso dizer que a música Folk é recente em minha vida. Um caso de amor de mais ou menos oito anos, antes era flerte. Aliás, não começou da forma tradicional ouvindo um disco de Bob Dylan, por exemplo. Gostaria de ter esse feito em meu histórico, mas não tenho.
Comecei a ouvir folk em doses homeopáticas, principalmente por conta do disco “Just enough education to perform”, de 2001, da banda Sterophonics, que abusa da fórmula folk/rock, sendo um de meus álbuns favoritos até hoje. Depois veio Ryan Adams, com o seu excelente álbum “Gold”(2001), que traz pitadas country, violões folks e novamente rock (a linda “When the stars go blue” foi regravada até pelo U2). E teve ainda “The Wallflowers” com “Bring down the horses” (1996), destaque para as músicas “6th Avenue heartache” e “Three Marlenas”. Discos como esses foram abrindo os caminhos de minha paixão pela música folk.
Nos anos 2000, pode ser dito ainda, não havia esse boom de música Folk que se tem hoje em dia, assim “na palma de algum aplicativo de música” em seu telefone celular, para ouvir a hora que você quiser. Era menos acessível. De qualquer forma, as bandas que citei acima, faziam o que chamo de Neo Folk (uma das tantas ramificações do estilo) e os dedilhados dos violões desse então Folk contemporâneo, me seduziam cada vez mais.
Foi em 2008 que conheci o som de Alexi Murdoch em uma postagem no site oficial da cantora Alanis Morissette (conhecida mundialmente pelo disco “Jagged Little Pill”, de 1995). Murdoch abriria alguns dos shows de sua turnê norte americana do então novo álbum “Flavors of Entanglement”. No site, havia um link direto para clicar e acessar a página do cantor. Cliquei, fiz o download do disco e não parava mais de ouvir. Este é um probleminha que tenho ao gostar de algum disco, fico uma, duas, três semanas só ouvindo o mesmo álbum. E, diga-se de passagem, que álbum!
“Time without consequence”, de 2006, é um disco simples, direto e reflexivo. Li em alguns lugares que bebe da fonte de Nick Drake, mas pessoalmente, não estou muito certo disso. Talvez se pareçam na forma despretensiosa do vocal e de tocar violão, mas não exatamente em termos de composição (não sem deixar claro o meu apreço absoluto pelo disco “Pink Moon” de Nick, com ênfase na música “Parasite”). Mas o que diferencia Alexi Murdoch dos outros cantores de música folk, é que há uma abordagem muito espiritualista em suas canções e sem esforço algum, acontece naturalmente pois isso faz parte de seu Ser. Penso que foi o motivo especial de Morissette o ter escolhido para a abertura dos seus shows já que a mesma tem uma ligação bastante profunda com práticas espirituais.
Essa espiritualidade aguçada, exala no disco por todos os poros. Com calma e tranquilidade, o cantor diz o que precisa dizer, respira, descansa e vai embora e faz isso de uma forma tão sublime que o tom semi-acústico do disco todo, não escorrega na melancolia, ao contrário, conforta. Não se sabe se é o violão que conduz a sua voz ou se a sua voz é conduzida pelo violão, um casamento perfeito.
O álbum deve ser apreciado em um momento Zen, naqueles dias que você coloca um disco para ouvir e relaxar. Ou ainda, deve ser ouvido em um momento turbulento, como naquelas fases que parece que entramos no “inferno astral”. O próprio Alexi Murdoch dá a dica: “Não se esqueça de respirar, toda a sua vida está aqui, então respire”, aconselha na canção “Breathe” e já emenda um dedilhado no violão em seu quase mantra de “Home”: “Quando realmente você quer partir? Antes tens que caminhar por conta própria. Talvez então já estejamos em nosso lar”. Pratique a sua auto responsabilidade. O gancho da letra de “Dream about flying” faz um jogo de palavras surgir com memórias de medos infantis mescladas a pressão da vida adulta, acrescentando aqui uma percussão bem interessante, deixando os sonhos em liberdade.
Silenciosamente “Wait” inicia e logo em seguida a levada muda com algumas batidas bem pontuais, conduzindo a história e um pedido: “Se eu tropeçar, se eu cair…e perder tudo, se eu não puder ser tudo que eu poderia ser, você esperaria por mim? Por favor espere por mim…”.A canção “Love you more” continua na linha de baladas, é digamos “bonitinha” e cumpre o seu papel no disco mesmo sem dizer muito, está ali para amenizar os assuntos mais sérios.
Por último e não menos importante, vamos a trinca perfeita desse álbum: “All my days”, “Blue mind” e “Orange Sky”. Esta última é a canção mais conhecida de Alexi Murdoch, foi trilha de algumas séries americanas muito assistidas, caso da famosa The O.C. “Orange sky” é contemplativa e carrega o espírito da leveza desse disco: “Em seu amor, a minha salvação está em seu amor”, neste caso, amor familiar, exclama Alexi. Ao ouvir “Blue mind” tenho a sensação de estar sentado com um grupo de pessoas com todos cantarolando juntos a mensagem essencial da letra: “Não há tempo para a tristeza, porque o tempo passa e se estiver triste tente enxergar as coisas como veria quando criança e não tenha medo do que for encontrar”. Enfrente/em frente, belo conselho!
Aliás, a beleza nesse disco é a forma repetitiva como ele quer enfatizar as coisas que tem a dizer. Em diversa letras, as frases repetem-se a fim de serem interpretadas com o seu real significado, sem tempo para metáforas. Finalizo falando da música que abre o disco de forma magnífica, “All my days”. Ela diz tanto sobre a caminhada espiritual de cada um, incita a busca e a procura: “Eu tenho procurado em todos os meus dias, todos os meus dias. Diversas estradas, eu estive caminhando, todos os meus dias. E estive tentando encontrar o que estava em minha mente… e agora eu vejo claramente, é você que eu procuro”. Qual a sua busca? Um amor, um lugar novo, uma viagem, um trabalho? Comece, apenas comece a procurar.
A partir desse momento, comecei a ouvir cada vez mais cantores de folk contemporâneo como Damien Rice, Glen Hansard, Jose Gonzales, Matt Costa, The Magic Numbers e assim fui gradativamente conduzido para a raiz da coisa toda. Alexi Murdoch posso dizer, abriu as portas da minha mente e conseguiu em “Time Without Consequence” deixar um registro muito bonito de um capítulo de sua vida que quis compartilhar com outras pessoas. O músico, cantor e compositor que nasceu em Londres, morou na Escócia e após mudou para os EUA, parece ter bagagem o suficiente para falar dessas experiências. Mais do que apenas dividir essas histórias, com as canções desse disco Murdoch ajuda muitos espíritos seguirem em sua caminhada. Longa e breve vida, vamos aproveitar a estadia!