Um papo com Ari Frello sobre fazer música na roça, inspirações nas coisas simples e o êxodo urbano no Brasil

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Ari Frello é um músico brasileiro, nascido em Santa Catarina, mas que consolidou sua carreira como one man band no Rio de Janeiro, onde colecionou centenas de gigs em seu currículo, e passou, inclusive, por palcos de festivais como o Mondial de la Bière Rio. O número de composições também não é pequeno, são algumas dezenas. Algumas podendo ser encontradas em seus álbuns, EPs e singles espalhados em diversos canais da web. 

Cansado das adversidades da cidade grande, o músico mudou-se para o interior de São Paulo, em 2020, e passou a partilhar sua nova forma de vida através de vlogs em seu canal no YouTube. Um ano depois, a decisão parece ter sido a mais acertada possível. “Eu poderia dizer que o único arrependimento foi não ter vindo antes. Mas também penso que a nossa vivência no Rio foi fundamental pra minha trajetória de música. Então o sentimento predominante é de gratidão”, nos conta Ari.

A vida no campo, ou na roça, como ele cita muitas vezes em seu canal no YouTube também tem o inspirado a compor novas canções com narrativas que envolvem o novo cotidiano que o cerca. “No geral, minhas canções sempre falaram sobre esperança, sempre tentei passar algo positivo. Mas hoje a vida no campo também tem sido retratada nelas”, revela o músico que, no ano passado, liberou uma série de singles acompanhados de imagens da sua nova rotina em São Francisco Xavier. Narrativas confessionais, sua voz abluesada e cordas de viola caipira dão tom ao seu maravilhoso trabalho. “Guatambu” é uma das minhas favoritas. Ouça abaixo!

Aliás, seu canal que antes era voltado apenas para divulgação de seu trabalho musical, ganhou a participação da família em sua sequência de vlogs. Composições agora dividem espaço com dicas de plantação, receitas de comida de caseira e os desafios e alegrias de viver como um caipira no sudeste brasileiro. “Antes eu usava o meu canal mais como um local pra postar meus videoclipes. Quando eu precisava mostrar pra um contratante era do Youtube ou Facebook que eu enviava os links. Aí, as pessoas começaram a nos enviar e-mails perguntando sobre a nossa mudança pra roça. E foi daí que surgiram esses vídeos com um enfoque diferente, mostrando um pouco do nosso dia a dia, relatando e colhendo depoimentos sobre nós e outras famílias que optaram por vir morar na roça”, declara Ari.

Curioso é que, vasculhando o canal do Ari, percebe-se que ele e sua família de longe são os únicos a fazer esse movimento da cidade para o campo. Na verdade, isto tem sido uma tendência. Com propriedade sobre o assunto, Ari nos expõe que este é um movimento que tem se itensificado nos últimos anos. “Mediante a tudo o que estamos vendo e vivendo o crescimento populacional nas cidades do interior tem acontecido com um ritmo maior”, e revela ainda que todo dia é um dia de aprendizado: “Se diz que na roça a gente aprende a aprender”.

Estando longe das grandes agitações da cidade, Ari se mostra um artista também livre das amarras de uma indústria musical que quase escraviza artistas a lançarem singles semanalmente para não serem esquecidos pelos algoritmos dos Streamings. Quando perguntei sobre essa pressão internética sober a música, ele respondeu: “Pra você ter uma ideia, eu nem sabia disso. A vida na roça coloca a nossa mente focada em outras coisas. Acho que eu to meio por fora, que nem a música da nossa turma que anda meio por fora a alguns anos já, que não tem espaço nas grandes mídias. Logo, não é ouvida pela grande massa, talvez por dizer muito em poucas linhas. Talvez por não ser interessante pra quem diz o que deve ser interessante para as grandes massas”

O ritmo de produção de Ari, acaba por se encaixar em outro movimento que também tem sido tendência, o tal do slow music, no qual vai se compondo, produzindo e lançando naturalmente. Sem grandes pressões, apenas pela paixão de se fazer o que faz. “De um tempo pra cá a ideia é lançar um single por ano e estamos seguindo nessa toada”, diz ele.

O mais recente desses singles é “Balada do Zé Tião”, uma faixa emocionante e, diria eu, diferente demais de qualquer lançamento country-folk que tenha visto ser produzido no Brasil nesses últimos meses. Confira:

Sobre a composição, Ari frello conta que “ela conta a história de muitos brasileiros filhos de empregados dessas grandes fazendas. Por muitas vezes essas pessoas não tem escolha a não ser viver num regime análogo a escravidão. Só que dentre tantas histórias existem essas reviravoltas do filho do empregado que foge com a filha do patrão, ou o filho do patrão que foge com a filha do empregado. E aí a gente vê a vida pregando peça em quem achava que era dono do mundo”. E complementa: “Eu ouvi muitas histórias dessas quando criança, Quando as leis ainda estava a se fazer e que por muitas das vezes as coisas eram resolvidas na base da lei do Talião, complicado…”.

Assim como seus lançamentos anteriores, “Balada de Zé Tião” foi composta, gravada e produzida pelo próprio Ari em sua casa, onde brinca ele “a gente começa a gravar só depois das seis, tem que esperar as galinhas dormirem”. O single chega para acompanhar “Trote Viajeiro” e “A vida e a Viola”, que também estão disponíveis no YouTube, e juntas devem fazer parte de um futuro EP: “Quero lançar um conjunto de seis canções, creio que dentro de uns dois meses vem novidade por aí”.

Em relação aos shows, não tem como fugir, Ari tem passado pela mesma peleja que todos os artistas têm passado com a pandemia do Covid-19. “Em 2020, nos primeiros meses deu pra fazer alguns shows. Antes de tudo isso eu tinha até uma agenda, mas com o tempo os shows foram sendo adiados por tempo indeterminado. Vamos torcer que volte ao menos uma certeza de segurança pra conseguirmos fazer o que tanto amamos que é tocar pro povo”.

Até lá, seguimos acompanhando a música digitalmente. E não só, viajando, trabalhando, aprendendo digitalmente também. O canal do Ari, inclusive, é uma ótima pedida para este tempo de confinamento. Ele mesmo manda o recado “quem quiser conhecer um pouco mais sobre os assuntos abordados nesse bate papo é só chegar lá no canal da Família Frello no Youtube.

Vão lá conferir as canções e lições que o Ari tem compartilhado!

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