“Não vai passar. Mas vai ser bom.”
Antônio (Johnny Massaro), em Todas as razões para esquecer, de 2018.
Não há cura fácil pra chaga. Ter essa consciência é angustiante. Por isso criamos: necessitamos urgentemente de adesivos que nos ajudem a fechar buracos. Eles não fecham, óbvio. Mas o que seria de nós sem placebos? Por motivos como esse, logo no nome do segundo álbum de Xoel López, “Paramales”, a atenção se aguça. Não existe essa palavra, assim: paramales. Como também não existe cura pra algumas dores. Como o neologismo, precisamos criar formas de suportar, de conviver com nossos abismos. Sermos cordiais com a ruína.
Paramales, de 2015, consiste em 49 minutos de puras suturas. Mesmo com uma sonoridade por vezes animada, conseguimos perceber a tristeza profunda na alegria. Como no primeiro disco, Xoel López mantém entranhado em suas cordas vocais a armadilha humana: estender suas feridas expostas para, quem sabe, entende-las. O disco possui uma potência única, viciante. Terminamos de ouvi-lo todo esburacado, pensando somente em acionar o repeat.
>> Veja também: Xoel Lopez (parte1): Atlántico e o sul como Norte
Em “Patagônia”, música que abre a obra, somos hipnotizados pela frase “Ahora todo es igual pero nada es lo mismo/ Todo parece igual pero todo es distinto”, que reverbera até o final da canção, como que cantada por uma voz uníssona. E é assim que vivemos depois do buraco deixado: os objetos estão lá, os sons sãos os mesmos, poucas pessoas se vão, suas obsessões caminham num contínuo. Tudo está lá, ainda. Mas o sabor na sua boca, perante esse velho mesmo mundo seu, não. Indico escutar essa música com ouvidos afetados pelo coração.
O cantor espanhol, mas atravessado pela América do Sul (tanto que deixa fácil essa confusão de nacionalidade), se aumenta: cresce em canção, ascende em profundidade e explode em sentimentos. Xoel é essa pessoa que vive com o ferimento aberto, no deserto, à espera de seus íntimos urubus para o almoço.
Fechando, a sensível última canção deixa um nó, um embargo no ouvinte. Ela fala sobre distâncias que não se medem em quilometragens. E seu final abrupto traz justamente o incômodo: o minuto que poderia ter sido, e não foi. Só é possível lembrar do verso do poeta Marcelo Labes, no seu poema Lusco-fusco: “de perto, toda distância é segura”¹.
Afinal,
“La casa hace ruido cuando no estás
Hace ruido cuando no estás
Hace ruido cuando te vas”
Link para o álbum completo:
[To be continued…]
¹LABES, Marcelo. Trapaça. Rio de Janeiro: Oito e Meio, 2016. p.41.