Xoél Lopez (parte 3): onde aquilo que é sólido se desmancha no ar

por

É possível sentir o ar ficando mais espesso e esbranquiçado. O cheiro doce logo se espalha e atiça o olfato que, fazendo salivar, estoura como aplausos nas papilas gustativas. É do choque que se nasce. E como num embate desejado, pequenos seres se espremem contra a nuvem densa de partículas. É desse encontro que, num vislumbre futuro, se cresce e se atinge forma.

Na batalha sublime que está sendo travada, ouve-se uma enxurrada que, tão logo, lambe tudo que há. Junto ao fluxo, a água traz o seu completo oposto, numa separação irremediável. Se a palavra inmisturável existisse, seu encaixe seria perfeito nesta frase. O idioma parece, cada vez mais, escasso.

De qualquer modo, todos esses elementos se encontram num campo de batalha. Com um tipo de força que reside entre um afago e um soco, aquele universo se colide por inteiro, e todo o diferente se torna igual. Tudo depende dessa forçosa e inquietante mistura: sovar, nesse caso, é conquistar unidade. Essa pode ser a descrição de um sonho ou o modo de preparo de um pão: está em suas mãos.

>> Veja também: Xoel Lopez (parte1): Atlántico e o sul como Norte

xoel-lopez-capa-suenos-y-pan

Desta mesma forma, Xoél Lopez nos entrega em mãos a decisão de percorrer os caminhos do real e do imaterial em seu terceiro disco “Sueño y Pan”. Cada detalhe sonoro, seja de um silêncio ou do rasgo que um grito se presta, causa um arrepio. Melhor: a repetição do arrepio, que é, na verdade, espantar-se pela segunda vez com o mesmo: algo extremamente difícil de acontecer.

Devo destacar, entre as canções, a música “Madrid”, que demostra um caminho: analise a geografia referenciada desde o primeiro disco. Ao compreender a arte, compreende-se o artista, essa antena da sociedade. Indo um pouco mais além do que o título, a primeira frase que se ouve, logo após o play, é a síntese de toda a obra: “No sé si me abrazaste o me engulliste”.

Essa relação figurativa e corpórea acompanha todas as faixas, como se a única maneira de entender o que se sente fosse através da junção do etéreo com o bruto: vivendo entre o sentido e o sensato

O vídeo de “Madrid” mostra carros, essas estruturas metálicas pesadas. Reais. Quando há pessoas dentro, elas estão pensativas, reflexivas, sonhadoras: imersas nelas mesmas, transbordando pensamentos pelo olhar. Irreais. Contemplem:

>> Veja também: Xoel Lopez (parte 2): entre feridas e neologismos

“Lodo” é outra canção indispensável: daquelas em que a voz embarga mesmo quando não há nada a dizer. Xoél sabe muito bem em que se mete, quando está nos dizendo que existe uma herida más sabia”, uma úlcera que não te machuca, somente te explica. Talvez conversar com nossas feridas seja o que falta. E o arrebatamento que acontece quando a frase Y quizá hayas andado el camino ya, cuando mires atrás”(E talvez já tenha percorrido essa estrada, quando olhar pra trás) é esplendoroso. Nos faz pensar em quantas vezes estamos perdidos diante de algo e, fissurados naquele problema, não reparamos que já o resolvemos antes: que a solução está em olhar em volta e se tranquilizar.

O clipe toma muito bem essa ideia e, metaforicamente, vislumbra as relações como fios, nada rígidos, porém firmes quando estendidos de uma ponta a outra. Veja, com um olhar atravessado pelo pensar:

Esta trilogia de resenhas é pouca: não consegue captar todas as camadas dos discos de Xoél, mas nelas tentei, pelo menos, apresentar a magnitude dessa obra. A gente só fica na espera de próximos lançamentos para, cada vez mais, ser atingidos por esse monumento vivo e permeável que são os discos deste artista.