Adquirindo passagens para Crônicas Partidas

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Para a formiga que cruzou com meu olhar agora a pouco, a distância entre o final da minha sobrancelha e a ponta do meu dedo é enorme: seriam precisos passos e mais passos. Para o elefante que jamais cruzará o meu olhar, a distância entre a sola do meu pé e meu coro cabeludo é minúscula: um passo e tudo resolvido. Para a artista plástica que meus olhos desejam cruzar cada vez mais, a distância entre a sua casa e seu trabalho é pequena: ela faz e refaz o trajeto todo de bicicleta e mal chega suada. Para o eu-lírico que cruza palavra após palavra desse texto, a distância entre os meus receptores nervosos e a superfície da pele da artista é gigante: porque só a eliminação dessa distância seria justa.

O segundo lançamento do projeto Crônicas Partidas, intitulado “de passagem”, retoma uma frase do poeta Marcelo Labes que sempre circunda as coisas: “de perto toda distância é segura”. Tratando dessa flutuação do ir e vir, da disputa da contagem do tempo, André Passos deflagra o que está na nossa cara: por mais que já se passaram sete mil anos da sedentarizarão da espécie humana, ainda guardamos o nomadismo em nós: se não mais pra fora, ainda pro fundo. E nomadismo tem a ver com mudanças: perpétuas.

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Na primeira faixa, denominada “Carol e Chico”, percebemos logo a barreira do final do homem, que consegue detectar subpartículas, mas não se livrar da angústia, pois “me diz o que eu faço pro tempo mudar?” apenas escancara isso. E, ainda, “não fez barulho algum quando a porta bateu” mostra a partida segundo os ouvidos de quem permaneceu: aparentemente uma ida sem anúncio, pois, às vezes, um simples tchau é uma experiência de quase-morte pra quem vai ficar.

A capa desse segundo EP diz muito: a conflitante junção de duas cores díspares como o vermelho e o azul (e porque não “cores distantes”?) compreende essa dualidade eterna em que a arte se concebe. E traz, também, a chuva: que aparece e passa. As gaivotas: que aparecem e passam. O ser humano: que nasce e passa. Uma pena, também, que mentes maravilhosas e criadoras, como a de André, estarem no mundo só de passagem: porém, o músico vence a finitude quando registra sua sensibilidade, perante o mundo, nesse projeto.

Um disco que significa tanto deve ser reproduzido incessantemente nos nossos aparelhos de execução, pois só assim podemos perceber as miudezas de cada minuto. E que as distâncias entre nós sejam cada vez menores, afinal, o que liga um dia no outro é, muito, a música.