Capim: Galhos dizem versos através dos pássaros
por Marcus Cardoso
Um bom disco leva anos: cinco jogando bola, mais cinco estudando sânscrito, seis carregando pedra, nove namorando, sete levando porrada, três mudando de cidade, dez mudando de assunto*. E o que chega nos nossos ouvidos é sempre um final de um processo, a fita atravessada pelo corredor no final da maratona. E para o corredor, ganhar ou perder não importa: o que se deve pensar é sempre no próximo passo: mini vitórias importam.
O duo Capim lança seu primeiro álbum, e ele parece já nascer crescido: cada composição reverbera musicalidade em uma lírica incondicional. Enquanto um carro era fechado por um ônibus no trânsito, o garoto olhava incessantemente o relógio tentando fazer o tempo passar mais devagar, a artista plástica me dizia que teria de virar a noite trabalhando por conta do prazo apertado, em minhas caixas de som só se podia emergir calmaria: esse disco propõe tanto essa estética que, com facilidade, alcança.
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Destaque para a canção “Minha oração”, que ganhou clipe com uma performance sublime do duo: a dança que encosta pele com pele, nessa fricção saudável que só existe quando um poro puxa o outro pra dançar, o olhar que é lar, o abraço: pilar. O que me punge, nesse vídeo, são os pés descalços, como raízes que bailam e se protegem no chão: no lar-lugar: nesse íntimo universal que é a terra. Assiste e pense no que te punge:
Na capa temos essa beleza à parte. Simples, se olharmos muito já não podemos mais saber o que é galho e o que é frase. Começamos a nos questionar o que o silêncio das árvores nos diz e, com que simbiose, muitas vezes, o pássaro traduz em melodia o sentimento da planta. Se a poesia é a casa dos ser, como dizia Heidegger, esse disco segue esse caminho: a religação calorosa e tranquilizante do que se é com o que se era; com aquilo que podemos vir a ser.
Eu nunca estive em Brusque. Porém, com esse disco, sei como é estar lá. Esperamos que, sempre mais, possamos ir até Brusque: física ou sonoramente.
*Trecho retirado de poema de Paulo Leminski. Leiam Leminski, sempre.