Pedro Vulpe: Cada movimento um arrebol

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A minha mãe tem um quadro de um pássaro do quarto dela. Isso sempre me intrigou. O pássaro está desenhado. Imóvel no móvel. Em sua posição de voo eterno. Como se flutuasse, inerte, mas à caminho de algo. Uma caça ou apenas um passeio? Não sei. Talvez preparando uma migração, talvez só posando pros olhos do desenhista desconhecido. Mas ali: sempre ali.

Esse pássaro, apesar de tudo (e do René Magritte), existe: se não feito de penas e carne, cruza os lugares em que frequento dormindo em minhas sinapses mais antigas. Se a vida acontece nos lugares onde a gente não olha, esse pássaro se liberta no desviar da nossa visão. Mover-se, para ele, é uma forma de vida. Mover-se, para Pedro Vulpe, é uma declaração de autenticidade.

“Move”, EP lançado pelo cantor e compositor catarinense, diz muito sobre. Cada fio da voz sustenta emoção: em poucas notas e palavras já se percebe a dimensão da coisa toda. Algumas músicas já conhecidas se intercalam com outras inéditas, trazendo essa ideia de caminhada: de busca: de vôo. Como na frase linda no encarte do disco “9”, do Damien Rice, em que, na ficha técnica, se lê: “[gravado] em estúdios caseiros em vários lugares e espaços”. O disco vem se fazendo enquanto a vida está sendo vivida: a organicidade de cada canção é como uma conversa entre amigos, um filme bacana no cinema, uma noite insone no meio da semana.

Destaque para “Trouble”: Com uma das melhores frases inicias que uma música pode ter. Quando o punch line da música está no minuto zero da canção, só podemos fazer as mãos arderem em palmas por prazer. A canção tem um clipe tão estupendo quanto, que já foi dissecado aqui. Confiem nas palavras que sou: dêem o play certos de que não vão voltar o mesmo disso:

A capa e o nome do disco dizem tanto quanto: primeiro a escolha do nome com dupla leitura mas mesma grafia, tanto em inglês quanto em português: essa fluidez de leitura que Pedro carrega nas duas línguas que espalha no EP; E a capa em que tudo se move, até mesmo o rígido braço do violão. Como se, ali, inerte, mas em movimento, planejasse já seu próximo caminho, em sua posição de voo (terreno) eterno. Assim como o pássaro de minha mãe, assim como cada um de nós no quarto de alguém.