Versos Polaris e seu sim à síntese

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O ato de aplaudir guarda mundos distintos. Enquanto, por um ponto de vista, é a máxima demonstração de agradecimento que se pode fazer a uma obra de arte ou façanha, por outro, é um autoflagelar-se constante: exprimir som através da dor. É como se aquilo que você sente pelo objeto exterior fosse tão transbordante que, para demonstrar sua felicidade, um sorriso não bastasse: fosse preciso se machucar e, desse ruído sonoro que nasce do encontro entre os membros, explodisse gratidão. É tentar transformar em gestos essa enxurrada inexprimível de prazer. Essas duas experiências, conflitantes, moram num mesmo gesto: o aplauso, esse múltiplo templo de encantamentos. E “Dicotomia” traça esses caminhos: mesmos, porém outros.

Nathalia Lobato, que se emana em Versos Polaris, procura, em seu novo disco, caminhar pela ambiguidade: contrapõe momentos e perspectivas até que elas se sobressaltem e, disso, desenhem mapas pessoais mais exatos. A imagem de opostos que se ligam, interagem e se compõe em se decompor nos acompanha, formando uma exuberante complexidade, viva.

É preciso falar sobre a canção que dá nome ao álbum: como ela explora as disparidades do outro, que tantas vezes são incompreensíveis pra nós. Compreender esses paradoxos que caminham por aí e sentem frio, calor, tristeza e alegria, tudo ao mesmo tempo. A frase “e mesmo não sendo, é. E pra mim basta.” é um primeiro ápice e tem uma carga tão humana que te punge. Assim como, mais perto da minutagem final da canção, outra frase intriga: “o muito amar também é se negar”. Essa, assim, se jogou no meu colo. Atingiu. E mexeu. Por um tempo. Deixe-a mexer um tempo, também, em você:

A capa do álbum expressa muito ao que o disco veio: desde as posições opostas que a cantora se encontra até a roupa que usa: a forma como as listras pretas se contrapõem as brancas e como elas ficam na horizontal enquanto, na manga da camiseta, se verticalizam até, abruptamente, se depararem com outras listras horizontais. E destaque para o detalhe da linha, que é a síntese disso tudo: o risco que corre liso e direto, até o momento que se perde e decreta caos ao rigor. Os opostos sempre à postos para criar os mais novos desfechos.

Interessante como, em seu primeiro EP, “As musicas da Nath”, a impessoalidade reina, propositalmente, nos títulos (e no nome do disco) e, quando agora, as canções são nomeadas firmemente, aparecem sobre esse conceito de dicotomia. Nada diferente do processo de reconhecimento do outro que, à princípio, é sempre o “cara da pastelaria” ou a “amiga da Taís” e, com o tempo, ganha rosto e personalidade, transformando-se em “Alexandre Verdu” ou “Camilla Coss”. Enfim, disse tudo isso para tentar demonstrar como esse álbum conversa, também, sobre personalização e reconhecimento: externo ou interno.

Tese: Antítese: Síntese. Mas, nem sempre o que saí daí é indiscutível. O que realmente importa é a imensidão de dubiedade que transborda: a firmeza do incerto, do múltiplo, do contrário. É à partir do encontro dessas diferenças que o disco entra em nós, arrombando a porta da frente. Só não havia reparado que a porta estava destrancada, o esperando.