12 álbuns folk lançados por mulheres no segundo trimestre de 2021

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Nesse ano de 2021 eu decidi dar uma atenção especial para as músicas que as mulheres estão fazendo. Por muito tempo, eu só ouvi homens e isso vinha me incomodando. Não só porque sou mulher, mas também por acreditar que o mercado está longe de atingir um equilíbrio nesse sentido.

Não bastasse todas as dificuldades que as mulheres encontram para entrarem e sobreviverem no mercado musical, uma pesquisa recente apontou que até o algoritmo do Spotify privilegia músicos homens.

Bom, honrando o meu papel de curadora aqui no Folkdaworld, eu faço questão de manter essa lista trimestral para apresentar para vocês alguns dos lançamentos incríveis que venho acompanhando. Se você não viu a nossa lista com os 12 álbuns folk lançados por mulheres no primeiro trimestre de 2021, te convido a clicar no link, ler as resenhas e mergulhar em tantos trabalhos incríveis.

Confesso ainda que os lançamentos desse segundo trimestre me conquistou ainda mais e explico tudo nas micro resenhas que preparei aqui.


“They’re Calling Me Home” – Rhiannon Giddens

Se existe uma mulher na música conectada com suas raízes, essa mulher é Rhiannon Giddens. Trabalho após trabalho, ela faz questão de mostrar isso. Em seu novo álbum, intitulado “They’re Calling Me Home”, obviamente isso não seria diferente. Repetindo a parceria com o multi-instrumentista Francesco Turrisi, com quem lançou o incrível “there is no Other” (2019), Rhiannon mergulha aqui em narrativas e melodias atmosféricas. Ela é norte-americana, ele é italiano. Juntos, estão vivendo na Irlanda durante todo esse período pandêmico. E juntos, se reuniram num estúdio rural que fica numa fazenda nos arredores de Dublin para gravar, em seis dias, canções que exploram tudo o que temos vivido. Apesar de não ser um álbum apenas de inéditas, sua mensagem fala do anseio pelo conforto de casa e traz uma narrativa metafórica com a “ligação para casa” da morte, infelizmente uma realidade trágica para muitos durante essa pandemia do Covid-19. Em relação a sua sonoridade, encontramos aqui canções com raízes afro-americanas, apalaches e europeias. É surpreendente como sons africanos, celtas, folk e gospel fluem juntos sem problemas para alcançar uma síntese natural. Esse é um daqueles álbuns ríquissimos onde o passado e o presente se unem com uma beleza surreal.


“Young Heart” – Birdy

Talvez esse seja o álbum mais poético dessa lista. Em sua essência, Birdy sempre foi lírica, essa é a verdade. Mas aqui isso soa tão maduro. Consequência dos anos de carreira que ela vem acumulando. Aliás, esse é o quarto álbum da carreira dessa jovem que dividiu opiniões sobre qual é a melhor versão de “Skinny Love”: a dela ou a original do Bon Iver. Outro ponto a ressaltar é esse título: “Young Heart”. Um coração jovem, sabemos, é recheado de emoções. É intenso. Muitas vezes ansioso, perdido, confuso. As letras mostram um bocado disso, mas acima de tudo a maturidade sobre todas essas sensações. Se passaram cinco anos entre o lançamento de seu último álbum e este aqui. E finalmente podemos ouvir o jovem coração da Birdy ecoar ainda mais incrivelmente belo!


“First Farewell” – Peggy Seeger

Muita coisa me encanta nesse álbum, a começar pela capa. Peggy Seeger tem 85 anos e na foto que ilustra o trabalho ela aparece radiante. Entenda, para nós fãs de folk, ouvir um álbum dessa mulher, ainda viva, é um privilégio. Ela é uma lenda, assim como seus irmãos Mike e Pete Seeger, históricos e fundamentais dentro da música folclórica norte-americana. Em abril desse ano, ela lançou o 24º álbum de sua carreira, “First Farewell”, e está muito bem acompanhada. Apesar de ser considerado um álbum solo, ele conta com a participação de seus filhos Neill e Calum, além de sua nora Kate (parceira de Neill), seja na co-autoria ou contribuição em acompanhamentos musicais de várias faixas. A atmosfera aqui é nostálgica, apesar das letras passear por temas atuais como comunicação digital, colapso ambiental e feminismo. A voz de Peggy soa cristalina e ágil, assim como sua mensagem. Com uma carreira que floresceu ali pelos anos 50, é bonito demais vê-la chegar em 2021 com o lançamento de um álbum de originais com todo esse vigor. Se, assim como seu título indica, esse for um álbum de despedida, ele conclui uma carreira de forma memorável. Mas espero, de coração, que ela continue partilhando suas ideias e melodias por mais alguns anos com a gente. Essa mulher ainta tem muito para nos ensinar. Quer uma prova concreta? Então ouça com toda a atenção a faixa “The Invisible Woman”, um manifesto sobre a forma como as mulheres mais velhas são frequentemente marginalizadas e desrespeitadas.


“Blue Heron Suite” – Sarah Jarosz

Sarah Jarosz tem sido uma das minhas favoritas desde 2015, quando conheci o seu trabalho. Ano após ano, ela segue alimentando minha adimiração por sua música. Seja com seu incrível trabalho solo, seja com o projeto I’m With Her que ela toca com suas parceiras Sara Watkins e Aoife O’Donovan. Em maio deste ano, ela lançou mais um belíssimo álbum, intitulado “Blue Heron Suite”. A temática aqui gira em torno dos ventos contrários de ansiedade e medo. Afinal, o álbum foi composto no período em que a mãe da artista foi diagnósticada com câncer e o furacão Harvey devastou Port Aransas (cidade com a qual Sarah e sua família têm grande conexão), no Texas. Inspirada por caminhadas matinais na praia com sua mãe e a presença constante de magníficas garças azuis suas letras aqui passeiam por todos os sentimentos que a assolaram na época. Portanto, um álbum confessional, mas longe de girar em torno apenas dela. É difícil não se emaranhar nas suas melodias com dedilhados tão bonitos e letras tão representativas. Vale comentar ainda a participação incrível dos músicos Jeff Picker, no baixo, e Jefferson Hamer, nas guitarras e vocais.


“Sixty Summers” – Julia Stone

Não é novidade alguma que eu sou mega fã da Julia Stone e seu irmão Angus. Adoro o trabalho dos dois juntos, já acompanhava o Dope Lemon – projeto solo do Angus, e agora embarco nas aventuras solo da Julia. Antes de tudo, vale dizer que esse não é o primeiro lançamento solo dela, “The Memory Machine” (2010) e “By The Horns” (2012) abriram caminho para ele. Também não vou mentir para vocês, esse não é um álbum completamente folk. A sonoridade aqui é bem diferente do que ouvimos no trabalho do duo Angus & Julia Stone, com excessão de “I Am No One”, que tem acordes bem díginos de pertencer a um álbum da dupla. As melodias são mais pop, é possível ainda sentir uma sonoridade bem Lana Del Rey em algumas das faixas, sintetizadores também aparecem bastante e o dubstep tem seu espaço. Eu díria que esse é um trabalho cheio de texturas, onde a Julia pôde explorar tudo o que consegue fazer com suas letras, melodias e voz. Foi uma agradável surpresa para mim e espero que para você também. Atenção especial para a faixa título e “We All Have”, que conta com a participação de Matt Berninger. Ah.. Não posso encerrar esse texto sem dizer que o álbum conta com a participação da Annie Clark na guitarra, vozes e produção.


“The Lost Mystique of Being in the Know” – Rising Appalachia

Esse álbum chegou de surpresa. Não rolou anúncio prévio, nem singles como aperitivos. As irmãs Chloe e Leah Smith simplesmente foram lá e lançaram. Como já é habitual, aqui elas viajam por sonoridades das suas raízes. Mas o que não é nada habitual, é como o trabalho foi feito. Ele foi gravado e produzido em um dia, no dezembro passado, após o grupo se reunir pela primeira vez em quase um ano. A banda chegou com fragmentos e ideias e montou as músicas na hora. Ou seja, o disco é quase uma jam que foi gravada, esbanjando criatividade espontânea e nos surpreendendo com essa sonoridade fluída. Muitas faixas são altamente focadas na instrumentação, já outras soam como mantras. Claramente o foco aqui não são as letras, apesar de que as irmãs conseguem falar muito através de poucas palavras, além de apresentarem vocais belíssimos. O mais bacana desse álbum é mesmo atmosfera que ele cria, altamente fantástica e exótica, com toques de folk, world music, estruturas rítmicas da África Ocidental e por aí vai. Enfim, como o próprio álbum aponta, uma mistura mística.


“Pelespírito” – Zélia Duncan

Eu não poderia deixar de incluir “Pelespírito”, o novo álbum da Zélia Duncan, nessa lista. Zélia é uma das mulheres icônicas da música brasileira, alguém que ouço desde sempre. Uma voz que ouvi diversas vezes nas rádios e nas trilhas sonoras de novela que acompanhei. Já tive a oportunidade de vê-la tocar ao vivo, já senti a energia que é passada quando ela dá vida a sua voz e ao seu violão num palco. Neste álbum, lançado em maio, ela faz questão de reafirmar sua raíz folk. “Eu sou muito folk na minha essência(…) A espinha do disco sou eu e meu violão. Foi muito natural que os arranjos ficassem com essa levada que muito me caracteriza”, disse Zélia sobre o trabalho. E é isso mesmo que ouvimos. Em um dos momentos mais sombrios da história recente do Brasil, ela incorpora de pele e espírito o ativismo que todos os artistas deveriam incorporar em momentos assim. Mas nem só canções de protesto é composto o álbum, há também canções de cura, versos com indagações, reflexões, dúvidas, esperança… E tudo isso ganha vida em letras poéticas que soam tão bem acompanhas de cordas de aço.


“in defense of my own happiness (complete)” – Joy Oladokun

Um novo nome por aqui para ficar constantemente no radar. E eu adoro que no Instagram dela, ela diz que é a versão trap da Tracy Chapman. “in defense of my own happiness”, de Joy Oladokun, é certamente um daqueles que surpreendem e encantam. Vale dizer que ele não é um álbum completamente folk, mas ambientando no estilo. E as faixas que se propõem a mergulhar em dedilhados tocam no fundo da alma. Algumas coisas precisam ser destacadas nesse disco que foi lançado em junho deste ano. A primeira é que ele conta com 24 faixas! VINTE E QUATRO FAIXAS numa época em que os artistas vivem basicamente de lançamentos de singles. Pura ousadia e nada de cansaço. São 1 hora e 17 minutos na companhia de canções criativas e deliciosas que conversam com a gente e serve como trilha tanto para dia felizes quanto para aqueles pesarosos. A segunda é que ele é uma extensão do seu debut, que leva o mesmo nome, e foi lançado em 2020. Tanto que desta vez, ele foi intitulado como “in defense of my own happiness (complete)”. A terceira é que essa coleção de faixas é, na verdade, um conjunto de narrativas sobre sua história pessoal: uma mulher negra, gay, filha de pais nigerianos e criada em uma cidade agrícola do Arizona. Um combo que, certamente, tem o que se falar sobre. A quarta é que o trabalho conta com a colaboração de um time de peso, como é o caso da faixa “Bigger Man” que, além de co-escrita com a solicitada Maren Morris, ganha um dueto com a própria ali na faixa 16. Participam ainda do álbum: Penny and Sparrow, Tim Gent e Jansen McRae. Eu poderia ainda falar sobre a capacidade de letrista e interpretação dessa mulher e vários outros pontos positivos desse álbum. Mas se, até aqui, eu não te convenci a ouvir, só um play fará isso. Pode ir fundo!


“Blue 50 (Demos & Outtakes)” – Joni Mitchell

Celebrando os 50 anos do seu álbum mais icônico, Joni Mitchell, lançou em junho desse ano, um EP que reúne cinco canções que são a alma do trabalho. Muito do que se escuta aqui é bem cru. “A Case of You” e “California” soam mais despojadas, enquanto “River” ganha uma versão alternativa. Há ainda os primeiros takes de “Urge for Going”, que deveria ter integrado “Blue”, mas só saiu numa compilação lá em 1996. Fechando essa caixinha surpresa, está a gravação de estúdio de “Hunter”, canção que Joni já tocou muito ao vivo, mas que nunca havia sido oficialmente lançada.


“Wary + Strange” – Amythyst Kiah

Esse álbum me pegou no primeiro acorde. Sério, sem condições de ouvir os primeiros acordes aqui e não sentir nada. Aliás, esse disco inteiro tem uma energia curiosa. É como se as palavras e melodias de Amythyst Kiah fossem tangíveis. Tudo é muito ela! Sendo assim, não me surpreendeu em ouvir aqui “Black Myself”, faixa que integra o “Songs of Our Native Daughters” (2019), disco do projeto que ela divide com suas parceiras Rhiannon Giddens, Leyla McCalla e Allison Russell. A sonoridade desse álbum é intensa, explosiva, imersiva, texturizada e tocante. Aqui Kiah consegue unir incrivelmente rock alternativo com música raiz. A sua voz soa como uma diva soul, sua guitarra ecoa como uma rainha do blues e suas letras… Ah, são narrativas escritas por uma mulher negra, gay, do Tennessee. Eu preciso mesmo dizer mais alguma coisa? Vou só ressaltar que o trabalho foi produzido por Tony Berg (que já trabalhou com a Phoebe Bridgers) e conta com a participação do músico Blake Mills. 


“Home Video” – Lucy Dacus

Lançado em junho desse ano, esse é mais um disco confessional de Lucy Dacus. E sendo mais um disco sobre ela mesma, se torna mais um disco sobre todas nós mulheres. Desta vez, ela usa sua incrível capacidade de letrista para nos contar sobre como foi crescer em um ambiente impregnado de religião, se conhecer, se permitir, descobrir sua sexualidade, as amizades, os desconfortos e dúvidas… Ouvir esse disco é como abrir o diário de adolescente que uma amiga escreveu e se identificar com memórias e pensamentos. Se compadecer com as dores de crescer, mas também se divertir lembrando de momentos como aquelas paixões avassaladoras que tínhamos e dos constrangimentos que isso trazia a todas nós. Mais uma vez, esse não é um álbum completamente folk, mas que bebe muito da fonte. Há dedilhados, narrativas e instrospecções, mas há muita experimentação. Pop, indie, rock, sintetizadores, tudo vale a pena na hora de mergulhar nas histórias de uma artista que se abre tanto a ponto de se conectar profundamente com quem a escuta. Vale ainda dizer que suas companheiras de boygenius, Phoebe Bridgers e Julien Baker, participam lindamente nesse dico na bela e angustiante faixa “Please Stay”.


“Planet (i)” – Squirrel Flower

Esse álbum da Squirrel Flower foi elogiado por diversos artistas que eu conheço. Além disso, ele figurou em todos os portais de música que gosto de acompanhar: Pitchfork, Stereogum, Paste Magazine, Rolling Stone… E tudo isso não foi por acaso, claro. Em seu novo disco, Ella Williams, a.k.a. Squirrel Flower, nos entrega uma sequência de faixas nostálgicas, intensas e nebulosas. Melodicamente falando, ora temos acordes delicados com um charme folk, ora temos riffs de guitarras gritantes rasgando a melodia sem dó. Em ambos os casos, a artista se destaca, combinando um ambiente específico para narrativas onde ela confronta todos os elementos na forma de desastres naturais. Aliás, essa é a temática que o trabalho carrega tanto em sua imagem de capa, quanto em seu título. “Planet (i)” é, na verdade, o nome de um planeta fictício que a artista criou, para o qual os humanos se mudarão depois de destruirem a Terra. É uma espécie de novo mundo que veremos como um refúgio, mas será que aprenderemos com os nossos erros ou faremos com o Planet (i) o mesmo que temos feito com o nosso planeta Terra? Fica o questionamento.


Também vale mencionar aqui os seguintes álbuns:

“I Am The Prophet”, das Lady Dan – lançado em abril/2021
“Shame and Sedition”, das Lula Wiles – lançado em maio/2021
“Build a Problem”, da dodie – lançado em maio/2021
“To Enjoy is the Only Thing”, da Maple Glider – lançado em junho/2021

Eu poderia escrever sobre todos eles também, mas aí esse post demoraria mais um mês para sair (risos).

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