Our Native Daughters: quatro mulheres, seus banjos e um novo olhar sobre as lutas das mulheres afro-americanas

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Eu adoro ver o que está acontecendo no universo folk ultimamente. Muitas mulheres extremamente talentosas estão, simplesmente, unindo seus talentos ao de outras mulheres num movimento de sororidade admirável.

Já falamos aqui dos super trios I’m With Her (formado por Sarah Watkins, Aoife O’Donovan e Sarah Jarosz) e boygenius (formado por Lucy DacusPhoebe Bridgers e Julien Baker. Agora eu quero falar para vocês sobre um quarteto tão poderoso quanto, o Our Native Daughters, cujo nome é inspirado no título de um clássico de um escritor afroamericano, Notes of a Native Son, de James Baldwin.

Formado por Rhiannon Giddens (do Carolina Chocolate Drops), Amythyst Kiah, Leyla McCalla e Allison Russell (do Birds of Chicago) o projeto acaba de lançar o álbum “Songs of Our Native Daughters”, que traz uma nova luz sobre as histórias de luta, resistência e esperança das mulheres afro-americanas.

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Com uma honestidade inflexível e afiada, elas confrontam visões sobre a história da escravidão, do racismo e da misoginia na América, a partir de uma poderosa perspectiva negra feminina.

A ideia inicial partiu de Giddens depois de ler relatos de escravos no Smithsonian National Museum of African American History and Culture, em Washington, e alimentada pela fúria após assistir ao drama de 2016 The Birth of a Nation, no qual ela percebeu como em uma cena retratando o estupro de uma escrava em uma plantação concentrou-se mais na reação de seu marido do que a própria mulher.

O trabalho reúne 13 faixas, nada fáceis de digerir, inspiradas por fontes dos séculos XVII, XVIII e XIX, incluindo narrativas de escravos e os primeiros músicos de banjo. Nelas, encontramos reinterpretações de histórias de escravos e menestréis; contos pessoais de abuso sexual, sofrimento e sobrevivência; e relatos de notável perseverança feminina realizada ao longo do tempo e da geografia.

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“Quasheba, Quasheba”, por exemplo, traz Rhiannon Giddens cantando sobre a escrava da qual sua família descende. Já em “Barbados”, faixa que a antecede, ouvimos, sem fundo musical: “Tenho muita pena deles/mas eu tenho que ser mãe/como passaremos sem açúcar e rum/especialmente açúcar, que é tão necessário/Como? abdicar das nossas sobremesas, ou café e chá?”, que vem de um poema em que uma dona de casa branca diz lamentar pelo sofrimento dos escravos, mas o vê como um mal necessário.

O quarteto também transformou um clássico do folk, “John Henry”, cantado por quase todos os intérpretes do gênero, de Woody Guthrie a Peter Seger. Na canção, John Henry é um escravo obrigado a trabalhar com uma marreta na construção de ferrovias. Trabalha até perder as forças e morrer. Na visão das Our Native Daughters, a personagem agora é a mulher de Henry, Polly-Ann, que consegue trabalhar com a marreta mais que o marido, e cada vez mais forte: “Polly você consegue levantar estar marreta/sim, eu posso, sim, eu posso/posso manejá-la, posso bater com ela/mais forte do que pode um homem”.

Também há um remake para “Strange Fruit”, canção famosa na voz de Billie Holiday, a faixa “Mama’s Cryin’ Long”, interpretada de forma minimalista. A história contada por uma menina, fala sobre uma mulher que é estuprada várias vezes seguidas por um capataz, o mata com uma faca e é enforcada: “Mamãe tá fugindo velozmente (pra escapar do empregado do patrão)/foi pega mesmo assim (pelo empregado do patrão)/estão os dois no chão (de novo, de novo)/a ouço grita (de novo, de novo)/Mamãe está chorando muito (e não consegue se levantar)/suas mãos estão tremendo (e não consegue se levantar)”.

Há ainda uma versão de “Slave Driver”, de Bob Marley (do álbum Catch a Fire, dos Wailers, de 1973).

Sejam autorais ou versões, essas canções apelam aos espíritos persistentes das filhas, mães e avós que lutaram pela justiça – em grandes formas públicas – apenas agora alcançando reconhecimento, e em inúmeras formas domésticas que provavelmente nunca serão reconhecidas.

Mais que um disco, “Songs of Our Native Daughters” é uma aula de história e resistência. É um símbolo feminino e negro. É a música folk cumprindo o seu papel.