Ben Caplan e um concerto de asas quebradas (parte 2)
por Marcus Cardoso
Passa um pássaro, voando, em cima da nossa cabeça. Se prestarmos atenção, o voo das aves consiste, muitas vezes, em se deixar cair e, no ápice da queda, usar suas asas para angariar impulsos que façam subir. E deixar-se cair, e fazer-se subir, e deixar-se cair. Um frio na barriga sucedido de outro. Sempre me pergunto se o primeiro pássaro a voar o fez por desespero ou confiança.
E como se esquecer do Melro, o “Blackbird” mencionado pelos Beatles que recebeu asas quebradas e teve de aprender a voar da maneira que conseguiu: ao deixar-se cair teve, certamente, que encontrar uma outra forma de impulso, uma outra forma de impedir sua queda, transmutada de controlada em infinita. O Melro não era o primeiro pássaro, mas me questiono o que sentiu naquele dia: desespero ou confiança?
Ben Caplan não é um pássaro: mas voa como um deles: em seu primeiro disco, fez queda: jogou-se todo nas faixas e destilou genialidade em cada compasso. Em seu segundo disco, “Birds of Broken Wings”, levantou vôos mais altos: e conseguiu fazer arte unindo desespero e confiança.
Veja também: Ben Caplan e o grunhido que acaricia (parte 1)
O cantor ganha mais musculatura, criando mais nuances e detalhes nas canções, criando climas sonoros que nos acompanham. Usa sua voracidade vocal em momentos certeiros: como se ele pudesse explodir a qualquer momento mas isso nunca acontece: a tensão criada por ele nos deixa de joelhos: se vamos rezar ou nos render é a decisão menos difícil a se fazer.
Destaque para “40 days and 40 nights”, que com um refrão lindamente composto arrasa multidões. Não existe outra possibilidade a não ser cantarolá- lo pela vida afora, em qualquer ocasião. O vídeo dela sendo tocada ao vivo num show feito em uma janela mostra sua potência: todo o público vira backing vocal e a canção poderia facilmente se desprender da necessidade de terminar e ser entoada como um mantra. Arrepiem-se:
Em todas as circunstâncias, Bem Caplan avança em sua criação e mistura, cada vez mais, esse canto teatralizado com um instrumental que só faz caprichar. Sempre um deleite, sempre um delírio. Um músico que, a cada composição, acalma nosso desespero e aumenta nossa confiança. Um artista daqueles que nos faz voar, mesmo sem asas.