“Calma, não vamos falar da vida”: o novo EP do Bola (Zimbra) é o que precisamos ouvir para escapar do caos de 2020

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Eu sempre admirei quem consegue traduzir sentimentos através de canções. Para mim sempre foi mágico parar para ouvir uma música e, de repente, sentir aquele arrepio ou aquela sensação de conforto ao ouvir palavras que poderiam ter sido ditas por mim, caso eu tivesse o talento de quem as escreveu. Talvez por isso eu goste tanto de escrever resenhas. Já que não sei escrever canções, ao menos posso contar como elas me fazem sentir. E cá estou eu para falar sobre “Calma, não vamos falar da vida”, o novo trabalho do Bola, o vocalista da banda Zimbra.

Assim como muitos dos trabalhos lançados em 2020, este EP fala sobre o período pandêmico que estamos vivendo. Mas não diretamente. Como o próprio título induz, aqui Bola não queria retratar exatamente nossos medos e anseios, mas refugiar-se deles. E como um músico que vive nos palcos, rodeado de gente, banda, amigos, fãs, poderia fazer isso durante uma temporada de isolamento social? As quatro faixas que Bola nos entrega aqui responde bem a essa pergunta.

Os arranjos são simples: basicamente voz, cordas e piano. A música aqui é crua: gravada, produzida e mixada em casa. Tudo feito pelo próprio artista que com ajuda dos amigos, nesse período, precisou se reinventar de alguma forma. E isso, despretensiosamente ou intencionalmente, nos faz imergir numa atmosfera intimista. Feche os olhos e será facilmente transportada(o) para um ambiente onde só cabe você e a música. E é aqui que a mágica começa.

Bola tem uma habilidade incrível de fazer com que a gente se perca e se encontre em suas letras, os jogos de palavras usados por ele nos conforta e nos confronta. E essa divisão de sentimentos acerta em cheio pessoas que, como eu (e espero que como você também), encontram na música uma espécie portal para uma realidade paralela onde a gente se refugia, pondera, e/ou descansa. 

O EP começa com “sonhos”, uma faixa que fala sobre criar conexões com o que nos move. Eu amo um versículo biblíco que diz “quero trazer à memória aquilo que me dá esperança”. É tipo um lembrete para que não esqueçamos daquilo que nos faz feliz, do que nos dá prazer. O que eu gosto aqui nessa letra é que ao mesmo tempo em que parece que o eu lírico fala sobre aquele sonho de quando a gente dorme – “Vai se acabar. Quando eu abrir os olhos, talvez termine tudo de uma só vez” -, ele também abre asas para a nossa imaginação crer que podemos alcançar os sonhos que temos quando acordados: “Deixa minhas coisas no lugar que um dia eu volto pra buscar o que eu deixei pra trás (…) Eu fiz essa canção pra relembrar do que eu gostei demais”. Pode levar algum tempo, talvez tenhamos de tratar de muitas outras questões antes da concretização de um sonho, mas se o mantermos na memória podemos voltar a ele. Sempre que não houver mais esperança, podemos recordar do que um dia nos fez tê-la.

Em seguida, temos “você mudou demais”. A melodia mais folksy de todas é a que mais me cativou. Assim como em todas faixas do trabalho, o artista encontra na música a saída. Mas aqui o violão soa um tantinho mais pesado. Não são só dedilhados, é necessário tocar todas as cordas de uma vez para dizer “Então eu vou cantar pra ver se isso me deixa em paz”. A letra aqui parece falar de um relacionamento amoroso, é um desabafo sobre os anseios que temos para tentar que tudo dê certo e, mesmo assim, a chance de não dar é grande. Afinal, por mais que tentemos entender de tudo, de nada sabemos. Sócrates tinha razão. Mas a faixa também fala sobre mudança (“Tudo mudou, você mudou demais…”), esforço (“Te perguntar sobre o seu dia é tão difícil, você tem que ver…”), conformismo (“Não é normal se sentir mal o tempo todo…”). Enfim, a pandemia, a quarentena, o confinamento… tudo isso nos deu tempo demais para pensar nos “se” da nossa vida. E essa canção retrata isso muito bem.

Se lá em “sonhos” a mensagem é sobre conectar, em “medo meu” é sobre quebrar ligações com o que nos prende. Nela, ouvimos claramente um diálogo do eu lírico com o seu próprio medo. Para alguns, o medo pode ser um sentimento, uma pessoa, um momento, um lugar. Nesse ano de 2020: a incerteza do futuro, a saúde dos nossos entes queridos, a tensão de perder o emprego… Mas esse não é o foco. A mensagem aqui é para que quebremos essa amarra e enfrentemos esse sentimento. “Já é tarde, então melhor eu ir partindo”. Há muito mais para viver, há muito mais pela frente. Não podemos, nem devemos ficar atados ao ontem, ao agora, a esse período difícil. Como já disse C. S. Lewis, “Existem coisas melhores adiante do que qualquer outra que deixamos para trás”. E depois de uma série de relatos e considerações, como que num suspiro que mistura o cansaço e a esperança da tentativa, ele conclui a canção: “Medo meu, não me peça pra ficar. Eu tenho que ir embora…”. Avante!

Por fim, em “sobre o que é o amor”, temos uma narrativa interessante. Uma mistura de dúvidas e certezas. “Sobre o que é o amor, eu já nem sei dizer…”, ele desabafa. Mas no decorrer da canção, brincando com as palavras e acordes um tanto quanto cirandísticos, enquanto revive memórias, ele acaba por expor sensações que poderiam facilmente ser atreladas ao amor: “é chão”, “me faz lembrar de casa”, “o prazer da alma”. Bom, apesar de não ter certeza do que é o amor, ele tenta encontrar significado para tal. “Sigo me enganando de saber”, alerta.

Só posso concluir dizendo que: se a intenção aqui era provocar um escapismo, a missão foi realizada com sucesso! São quatro faixas simples, curtas, cruas e perfeitas para mergulharmos sem pressa de voltarmos a dureza da superfície.