Crônicas Partidas em cenas internas

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O ser humano traz consigo, desde suas raízes, a necessidade de contar histórias: é isso que nutre sua vida. E é a partir dessas narrativas que ele entende o mundo, circula ideias, transmite lições. Ou, ao menos, se acalma. São nessas crônicas que nos tornamos mais humanos, porque são nelas que a gente se espelha, se espalha, se encontra e pega impulso. E o narrador, essa figura na qual “o justo se encontra consigo mesmo”, como dizia Walter Benjamin, é sempre essencial.

André Passos, esse virtuoso bardo da era virtual, assume essa amplitude de contar. A frente do projeto Crônicas Partidas, ele lança um EP que pode ser entendido como Extended Play ou, numa leitura mais atenta, a abreviação de Episode. A escolha da leitura é sempre sua, afinal, metade da arte está em evitar explicações. O projeto é um evento transmídia, pois consiste em três histórias contadas em três lançamentos de três músicas e que usam do tempo: serão lançadas trimestralmente, durante o ano, acompanhadas de um encarte com textos
e fotos, tudo confluindo para a mesma história. Tudo pode ser acompanhado pelo site oficial.

A primeira parte, intitulada “Conta-Gotas”, foi lançada e inicia essa história sobre uma viagem rumo a si, nessa estrada interna que é nossa existência. Como escreve Felipe Marques no encarte “Na busca por uma coerência que se manifesta evidentemente na ruptura, no fragmento, no estilhaço, a consciência poética de André Passos nos explica em forma de música aquilo que todos sabemos, mas que nunca é demais ouvir de novo: o que importa na jornada é o caminho, não o destino”. Reforçar histórias, confirmar caminhos, acompanhar crescimentos: ter a audácia de distinguir a meta do mergulho: se pra baixo ou pra dentro.

As canções foram feitas pra se demorar, atentos, a cada melodia. Cada som faz sentido, ali, naquela minutagem. Afinal, hoje não se cultiva mais o que não pode ser abreviado, e isso traz complicações: onde fica a contemplação, então? O fruir o mundo? Ou o tempo?

As fotografias são um complemento à parte: tão estonteantes que se mesclam com o áudio e com o significado de cada tema. Eduardo Cordeiro, o artista das fotos, explica: “A série de fotografias não se trata de questões pessoais do fotógrafo ou do músico, mas da própria possibilidade e necessidade que cada um tem de parar e voltar-se a si[…]. Foi mais ou menos isso que eu senti da música, uma vontade de falar do interior, quando as palavras vêm do reino pessoal do autor”.

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Assim, as fotos das fachadas das casas demonstram isso, afinal, só há interior porque há exterior. Olhar, nas imagens, as moradias, é como olharmos pessoas: sempre se enxerga nitidamente o construído, os ornamentos e os detalhes, mas o interior, a bagunça ou a ordem, é sempre intransponível: é sempre fruto da nossa cabeça como visitante, como pessoa que olha de fora. Sigamos acompanhando esse projeto que transborda. Continuemos contando histórias, pois só somos porque elas são.