[Entrevista] Costa: fabulário musical de um delírio cotidiano

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Diante da mesa, reparo em como William Costa, mais conhecido como COSTA, levemente mexe na xícara de café com leite que pediu. Seus cachos esvoaçam e seus olhos são atentos e firmes: assim como suas relações com a música.

Com uma carreira promissora e quatro discos lançados, COSTA não para de produzir, e é possível enxergar sua mente capturando momentos e ideias mesmo enquanto concede a entrevista.

Aqui passamos pelos seus quatro discos, seu outros projetos, suas sensações e sua relação com a forma de consumir música atualmente, num ambiente bem descontraído e cheio de reflexões sobre vida, morte, arte, palavra e playlists.

FDW: Costa, como o Folk  entrou na sua vida?

COSTA: Eu não sei direito se ele realmente entrou na minha vida. Por que a questão do folk se assemelha mais à “voz e violão” que, quando decidi tocar sozinho, acabou sendo o mais cômodo. Eu acabei desenvolvendo esse “voz e violão” e depois acabei pesquisando mais a fundo bons artistas e grandes referências. E foi então que fiquei mais íntimo do trabalho de grandes nomes como Simon & Garfunkel…

FDW: Uma bandaça, né? Eles são demais. Mas você já tinha escutado Dallas Green?

COSTA: O Dallas Green é aquela referência moderna, né? É uma coisa fácil de ouvir, não precisa digerir tanto. Aquele “voz e violão” cantado superbem, tem umas influências do rock. Se você é intimo do Alexisonfire já conhece. E caso esteja num dia mais assim, que não quer ouvir barulho, você põe o Dallas Green, que é o melhor no que ele faz. O folk ainda está ganhando espaço na minha vida, até por que não é só isso que eu faço na música.

FDW: O que mudou a sua vida, nesses seus anos de vida, que te trouxe até aqui? Pode ser mais de uma coisa e mais de uma mudança.

COSTA: Acho que a principal e a mais saudável de todas é a frustração. Eu fiz parte de uma banda de rock, nós tocamos uns anos, e acabou que não deu em nada, no sentido que não temos um público, não temos tanto comprometimento, e eu decidi sair pra fazer do meu jeito. Então acho que a frustração, em todos os momentos da sua vida, é extremamente necessária. E a resposta em relação ao meu trabalho, desde que comecei, no primeiro EP “Solitude”, até agora, por mais que tenha sido uma resposta tímida, é mais promissora do que todos os anos em que estive em outros trabalhos. Já estive em bandas cover de Paramore e Pitty, já estive em bandas de som autoral também, e as respostas, por mais que sejam tímidas, existem. Costumo pensar que quero que as pessoas cada vez mais me vejam menos e me escutem mais. Eu acho que, hoje em dia, ouvir, numa sociedade da pressa, como essa, é uma coisa rara. Então essa resposta tímida me parece natural, mesmo.

FDW: Quando você se deu conta que era a Música que ia te acompanhar pro resto da vida?

COSTA: Eu, quando era pequeno, tinha uma vontade muito grande de me expressar criativamente. Então, eu sempre adorei desenhar, escrever história em quadrinhos. Com o tempo eu fui perdendo um pouco essa coisa do desenhar, por que eu não desenho bem, eram desenhos de crianças e eu não tive prazer em aprender mais. Comecei, então, a arranhar um violão da minha vó. Ela me ensinou uns acordes, e foi indo. Comecei a tocar esse violão e essa vontade de me expressar artisticamente começou a surgir na composição. Percebia que quanto mais eu me expressava em relação à música, mais eu me sentia melhor em outros aspectos da minha vida, que nunca foi uma vida do adolescente popular que consegue tudo. Uma vida esquisita. O refúgio sempre aconteceu na música. E até hoje quando as coisas dão errado, se eu tem um violãozinho, pra você escrever, tá perfeito. É o que me mantem respirando.

FDW: Você tem alguma obsessão como artista?

COSTA: Eu tenho, mas eu acho que é um reflexo do porque estou aqui hoje. Eu adquiri uma obsessão por fazer as coisas sozinho, salvo raros exemplos, como meu projeto Quarto e Só. Esse acho que é o único exemplo de algo que consigo fazer em dupla, com relação a música. Mas voltando a frustração, por sempre me envolver em projetos onde me empenhava mais, acho que acabei desenvolvendo essa coisa do “fazer sozinho”, onde vi que realmente funciona. Eu acho que a arte não tem que esperar muito para acontecer, esperar o outro, tem que ser um agora. E se você vai fazer com mais alguém, tem que ser na sintonia do agora. Não dá pra falar “ah, vou escrever, daqui uns três anos você termina de escrever o resto”. Então essa é minha obsessão. Mas ela não é gratuita, ela é fruto de uma grandessíssima frustração em relação aos projetos anteriores.

“A forma como o artista escreve esperando o que ele vai atingir é muito relativa”

FDW: Você teve duas músicas que saíram no Mostly Strings, que é um canal gringo. Como você se sente sabendo que muitas pessoas já ouviram a sua voz?

COSTA: É legal, é interessante. É um sentimento que, como eu disse no começo da entrevista, é uma resposta tímida ao que eu estava fazendo. Durante meus anos com outros projetos, eu nunca tive uma resposta, e acho que, de todas as mídias do qual fui vinculado, o Mostly Strings deu uma resposta muito sincera, porque quem está lá, está para ouvir música. Foi uma época muito boa em que eu apareci nesse canal. Muitos brasileiros acharam que o canal era do Brasil também, por ter publicado um artista daqui, mas na verdade é um canal de Portugal. Foi um sentimento maravilhoso saber que tem gente que ainda prefere ouvir, escutar, ao invés de só ver.

FDW: O Paulo Leminski, poeta curitibano, em uma entrevista fala que o com o tempo você vai ficando mais seguro para que cada poema saia dele certeiro, já pronto, como se fosse um golpe de judô. Você acredita nisso com as suas músicas ou você as reescreve incessantemente?

COSTA: A forma como o artista escreve esperando o que ele vai atingir é muito relativa. Tem momentos da minha vida que escrevo muito pra mim, e não sei até que ponto isso vai atingir o outro, então o escrever pra mim. O pessoal não é interessante, porque  minha vida mesmo, ela não é interessante o suficiente. Mas quando você escreve pro outro, pensando numa perspectiva de escrever histórias fictícias, isso talvez atinga, de uma maneira mais contundente as pessoas. Eu acho que o tempo não diz muito sobre maneira como atinge as pessoas. Esse sentimento é mais um estado de espírito do momento que você escreve. Eu não costumo reescrever, às vezes gosto de acertar uma métrica ou outra, nem que eu tenha que esticar sílabas. Mas é difícil eu reescrever, por que gosto das coisas mais brutas, pensando no que eu senti naquele exato momento.

FDW: Você lembra da primeira canção que escreveu? Tem orgulho dela?

COSTA: Lembro sim, eu tinha um computador com Windows XP, a muito tempo atrás, e tinha um plug P2. Liguei um cabo na guitarra, a outra ponta liguei no computador direto, sem placa, sem nada, e tinha um plug-in de bateria chamado Drumset, que tinha um som extremamente MIDI. E  comecei a tocar, desci a afinação da guitarra, e era uma música que lembrava muito Slayer, pois tinha uns riffs pesadões e tinha uma bateria com prato ensurdecedor. E mudava pra um refrão extremamente pop. Lembrava muito Sandy e Junior. Mas acho que só juntei pedaços de coisas que estavam vindo. Acho que a música não tinha nem letra, também. Enfim, era um frankstein que não se movia muito bem, uma coisa bem esquisita, não lembro nem o nome da música. Não tenho nenhum pouco de orgulho dela. (Risos)

FDW: No seu processo de criação, a mensagem é tão importante quanto a estética da canção? Você se preocupa mais com uma coisa ou outra?

COSTA: Na época em que escrevi o “Solitude”, era pra ser uma coisa muito pessoal, tanto é que ainda estava na Memórias de Vienna (antiga banda), e havia decidido guardar aquilo, num primeiro momento. Depois decidi colocar nos Streamings, mas a princípio era uma coisa só pra mim. “O Som mais Belo” já é pensado no ouvinte, não é tão pessoal. Só que, à partir desse momento, eu percebi também que o entendimento do outro é muito relativo. A gente tem que ser responsável pelo que a gente fala, claro, mas não podemos ser responsáveis pelo que o outro vai entender, e acho que o exemplo disso foi o “Nautas”, que tinha um caráter pessoal e coisas fictícias, mas era uma coisa desprendida, apesar de pretensiosa.  Então acho que, hoje em dia, não escrevo mais tanto pensando em quem eu vou atingir, até por que não sei se a pessoa vai entender o que vou falar. Então é mais um estado de espírito.

FDW: Já passou algum tempo da sua vida sem compor nada? Seu cérebro precisa de férias?

COSTA: É difícil eu ficar sem compor, meu cérebro precisa mais mesmo é de férias dos meus próprios projetos. Houve uma época que estava totalmente voltado pro rock alternativo, na época que escrevia para a Memórias de Vienna, e o Quarto e Só surge à partir dessa reflexão de tirar férias de mim mesmo. Eu precisava de algo que não fosse tão lúcido, mais voltado pro metal, pro psicodélico, não sei muito bem definir. E, nesse meio tempo, também precisava tirar férias dessas duas personas diferentes, do Will Costa e do Ninguém, que é o personagem do Quarto e Só. Eu precisava de algo novo. Foi aí que surgiu o Costa do Solitude. Nesse momento agora eu não consigo pensar no que escrever pro Costa, então estou escrevendo para um novo projeto.

FDW: Quando você ouve uma canção que te dilacera, que você acha extremamente fenomenal, sente vontade de desistir da carreira musical ou vontade de fazer alguma coisa melhor do que o aquilo que ouviu?

COSTA: Em muitos  casos eu me conformo, né? (risos) Acho que o maior exemplo disso na minha vida é o Sgt. Peppers (Lonely Hearts Club Band, Álbum dos Beatles), ele funciona de uma maneira que não tem como você fazer algo parecido. O conceitual dele é muito bem trabalhado, as músicas são interligadas, você imagina uma história passando em cima de um palco, como se fosse um musical, e assim, eu não sinto vontade de fazer melhor até por que não tem como, eu me conformo com aquilo que eu tenho (risos). Mas me inspira a escrever pensando “nossa como tem gente que escreve bem, eu quero escrever bem também”. Eu não supero mas eu sou o que dá.

“Acho que o Inverno, apesar de ter sua coisa própria, é um puxadinho do Nautas”

FDW: Como está sua experiência fora do Costa? Me fale dos seus outros projetos.

COSTA: Estou escrevendo um disco agora pro Quarto e Só, que teve um registro em 2015 chamado “Patológico”, onde mistura rock psicodélico com metal, enfim, tem muita influência ali, e estamos no processo de gravação de um novo trabalho, que não tem nome ainda, mas o conceito já existe, está encaminhado, e está ficando muito bom, atendendo nossas expectativas de perfeccionismo. Além disso, estou escrevendo para um projeto novo chamado Friends of Sunday & the Melancholic Orchestra. É um projeto que gravei algumas canções e não defini muito bem qual o estilo, mas todas elas tem uma atmosfera muito parecida, então você percebe que a intenção, por mais que seja uma música de Stoner Rock e outra mais Pop, dá pra percebe que a intenção é do mesmo artista e que elas pertencem ao mesmo disco.

FDW: Então, entre amanhã e a eternidade, teremos lançamentos novos?

COSTA: Sim, ao menos uns dois eu garanto. (risos)

FDW: O Solitude foi um ato de desespero?

COSTA: Foi, eu acho que aquilo que o torna tão especial é isso. Como disse anteriormente, ele surge de uma necessidade de sair de uma zona de conforto, de montar uma nova persona. E acho que é um desespero, mas não uma coisa ruim também. Existem momentos desesperadores na nossa vida que são saldáveis, pra você se livrar de fardos, de pesos.

FDW: Qual é o som mais belo?

COSTA: Eu gosto muito do som de quando acordo de manhã e minha mãe está fazendo café. O som da garrafa do café, sabe? Esse é o som mais belo!

FDW: O que acalma seu coração, quando aflito?

COSTA: Geralmente eu mesmo. Eu gosto de me acalmar escrevendo sobre as minhas aflições. Mas a gente não pode contar só com a gente, né? Ninguém conta com esse estado eterno de solitude, um auto-exílio voluntário. Então tem muitas coisas na minha vida que me fazem bem. Sou professor e a infância me faz muito bem, costumo dizer que quem é professor permanece jovem por mais tempo. Eu tenho minha namorada, que me dá uma força desde os tempos em que tocava nos maiores buracos, até os dias de hoje, que eu continuo tocando neles (risos). Só são buracos mais cults, com quadros dos Beatles na parede. E tenho amigos também. Mas eu gosto sempre de saber que posso contar comigo. Isso me mantém calmo.

FDW: Já encontrou seu Novo Mundo?

COSTA: Não, ainda não. Eu costumo pensar no Novo Mundo, parafraseando uma música do Reticente, como um estado de “Quase-morte”. Acho que a grande sacada no Nautas é essa: os Nautas somos nós mesmos e, enfim, navegamos por aí. E o Novo Mundo deveria ser um estado eterno de paz. Atualmente, e ninguém me convenceu do contrário ainda, o estado de paz eterno é a morte. Quando você morre, você descansa de todos os seus problemas. Queria que não fosse assim, então temos aí uns “Novos Municípios”, que são pequenos estado de paz que você consegue respirar, mas o Novo Mundo continuamos procurando ainda.

FDW: Inverno ou Verão?

COSTA: Inverno. O inverno é um registro desprendido, porque tinha acabado de escrever o Nautas, que é um trabalho, artisticamente falando, que acho a melhor coisa que eu já escrevi até agora, e me satisfaz muito quando escuto. Consigo ouvir sem pular uma faixa, o que é uma coisa que eu gosto muito nos discos que escuto por aí. Depois que o escrevi, achei que tinha um pouquinho mais pra falar, sobre algumas outras coisas que talvez não se encaixassem nesse conceito do Nautas, que é uma coisa mais transcendental, uma coisa diferente. Então precisava falar e, bom, escrevi o “Inverno”. No meio desse processo eu perdi um amigo, o que é o tipo de coisa mais dolorosa. E percebi que, às vezes, a gente trata os registros como coisas de começo, meio e fim, mas, em certas ocasiões, quando você finaliza a obra você quer continuá-la. Acho que o Inverno, apesar de ter sua coisa própria, é um puxadinho do Nautas.

“os erros e os arrependimentos estão aí, para serem errados e para serem arrependidos”

FDW: “Ternário” é uma canção muito sublime, e sei que ela é para uma pessoa específica. Me conte mais sobre a sua relação com ela e sobre o processo de composição.

COSTA: Essa pessoa tratada na música foi um professor meu durante meu curso de pedagogia, e era uma pessoa com quem tinha uma relação muito próxima. Acho legal quando o aluno consegue tratar o professor como amigo. Nós tínhamos muitas conversas, reflexões sobre a vida, sobre música. Era uma pessoa que eu gostava muito. E a muito tempo não me entristecia tanto com alguma coisa a ponto de expressar fisicamente, com choro, sabe? A música surgiu uma hora depois da notícia, e eu precisava me consolar de alguma maneira e acabei escrevendo. O ternário é o compasso da valsa, e gosto dessa analogia da valsa com a vida, por que tem um tempo muito marcado: 1, 2, 3, 1, 2, 3, e se você sai dessa marcação já não é valsa, é outra coisa. Acho que a vida, às vezes, é tratada muito como valsa, a analogia é essa.

FDW: Eu já te disse isso que “Ushuaia” é um musicão. Me fale do processo de composição e da sua primeira impressão quando terminou de escrevê-la.

COSTA: “Ushuaia” é uma canção antiga, e deveria ter entrado no “Som Mais Belo”, só que faltava alguma coisa, ainda. Anos depois eu percebi que o que faltava, talvez, fosse uma doçura que eu não tenho. Então a gente atribui essa parte mais doce a Martiscool, que complementou muito bem a música. Tinha um verso que não me agradava, e ela contribuiu com esse verso que faltava e, algumas melodias vocais que precisavam estar na canção, não existiam na minha versão. Então, apesar de ter escrito grande parte da melodia e grande parte da letra, a música não seria tão boa como é agora se não fosse a contribuição da Martiscool.  Quando terminei, eu gostei da música, mas pra mim ela não era nada de especial. Percebi a grandiosidade dela quando a Marina (Martiscool) cantou. Acho que foi um complemento especial pra música.

 

FDW: Seus números nas redes sociais e nas plataformas digitais são consideráveis pra um artista independente e que não mora no centro de São Paulo. Queria te parabenizar pelos números e perguntar: números importam?

COSTA: Não. Os números são só números. Muitas  vezes as pessoas escutam, mas isso não significa também que elas gostaram. Na maior parte do tempo a pessoa vê o que você tá fazendo mas não tá sentindo. Eu prefiro três pessoas que pararam e escutaram, sentiram e se relacionaram com aquela música, do que dez mil que ouviram no aleatório de uma playlist grande. Claro que a minha parte musical em relação aos serviços de Streaming é muito boa, por que quanto mais gente escutando, melhor, as chances de você arrebatar mais pessoas é maior, mas dizer que é um fator determinante não, eu acho que independe da qualidade.

FDW: Qual seu maior erro na música?

COSTA: Eu acho que insistir no que sabia que não ia dar certo e que não dependia só de mim. Com isso, talvez o Costa pudesse ter surgido antes e ser um projeto menos frustrado. Talvez um Costa mais passivo, mais de bem com a vida, mas os erros e os arrependimentos estão aí para serem errados e para serem arrependidos, fazem parte da nossa vida e nos engrandecem como pessoa, por mais discurso de miss universo que isso pareça. (risos)

FDW: Temos toda essa mudança histórica na indústria fonográfica e tudo. Como você enxerga as plataformas de Streaming e de divulgação? Acha que o CD vai, finalmente, morrer?

COSTA: É difícil falar do mercado fonográfico se eu olhar pro lado pessoal porque eu sou apaixonado por música, então, se é no Streaming, no vinil ou no CD, eu consumo essa música. Sou um aficionado por música. Eu coleciono CD, então tô sempre ali em São Bernardo, na Mercy Discos, comprando, é algo que me agrada muito. Acho que o único problema do Streaming é que, pro ouvinte que não entende o processo, que é o grande mal dessa geração, pois olha muito pro produto e não quer saber de onde aquilo vem, e isso pra coisas distintas como frutas até chegar na música, que são coisas que nós digerimos também. A arte também se digere. E acho que o problema do Streaming pra essa geração é esse, que ele desvaloriza a música, por que você tem tudo ali, de qualquer banda, basta pesquisar e você consome a música, é muito imediatista.

FDW: Mas você já pensou que na verdade se você assina um Streaming, você não tem as músicas, os Streamings te emprestam os discos. Se um dia essa plataforma acabar, você não vai ter mais aqueles discos. Apesar disso,  me diga: você tem mais discos físicos, baixados no seu computador ou baixados no Spotify?

COSTA: Infelizmente, mas muito infelizmente mesmo, tenho menos discos físicos, por que costumo garimpar muito algumas bandas. Não querendo ser blasé, mas é difícil me pegar ouvindo rádio, e tem aquela tendência daquele artista do rádio ser muito acessível e você vai em qualquer lugar e esse artista tá lá. Eu gosto de garimpar e perceber sonoridades novas. Geralmente esse material é de difícil acesso, você precisa importar e tudo mais. Apesar da ocupação de músico me render uma graninha, eu sou professor, então são duas profissões que não dão muito dinheiro. É difícil bancar esse fetiche por música. Eu gostaria de ter vários discos de bandas que eu admiro mas que infelizmente não são acessíveis, porém continuo ouvindo música e isso aí é o que importa. Ouvindo com atenção, percebendo a música.

FDW: Como você enxerga essa nova geração que ouve playlists? Por que a gente já conversou sobre isso antes e, ainda somos de um mundo onde se ouve álbum. Eu acho o Streaming e as playlists bons pra você conhecer coisas, mas quando eu ouço uma música legal eu vou pro álbum, e às vezes o álbum nem é tão bom assim. Essa é outra maneira de consumir música. Por exemplo, eu já conversei com pessoas que não sabem quem canta ou toca tal música, ela gosta da canção, apenas. Eu penso, diversas vezes, que estamos voltando pra antes dos Beatles, pra essa cultura do single e tudo. Como você enxerga esse deslocamento de maneiras de trabalhar a música?

COSTA: Eu acho que a questão da playlist se assemelha muito ao rádio, ao FM. A pessoa que tá ali no trânsito e escuta “O sol, vê se não…” e pensa “Pô, é o Tiago Iorc”, então vai ver e não é o Tiago Iorc, é outra pessoa. Então assim, a playlist traz um quê de imediatismo. Apesar de gostar de playlist, mas eu faço um uso consciente. Eu sei o que tô colocando na playlist. Tenho as minhas playlists, e tá ai também a minha questão do controle, de querer controlar o que eu escuto. Mas eu não gosto muito, por exemplo de coisas como “a playlist do pop”. Ai você vai lá, deixa tocando e tal. É legal o artista integrar essa playlist, como eu integro várias legais no Spotify, mas quando vou ouvir esse tipo de playlist e tô ouvindo a música, olho pro celular, vejo quem tá tocando e tudo. Acho que o problema não tá tanto na forma como a música tá sendo apresentada, mas sim na forma como ela é consumida. Eu posso colocar cinco álbuns físicos na sua frente, você vai colocar no seu CD player e assim “ah, não gostei dessa música”, ai vai tirar esse CD e colocar outro? Não. O Álbum é feito pra você consumir de uma maneira analógica, consciente, pra digerir, para aquilo te estraçalhar ou não, sabe?

FDW: O Streaming pode não ter matado o disco, mas ele matou o disco-duplo?

COSTA: Ele matou o disco-duplo e matou a hidden-track também. Por que a faixa escondida que tinha em alguns álbuns, não tem mais como esconder, se você a vê ali, na lista. (risos)

FDW: E me ocorreu agora que o George Harrison não se adequaria ao sair dos Beatles e se deparar com o Streaming…

COSTA: Ele ia ter que lançar uma playlist dupla. (risos)

FDW: Claro! Talvez esse seja o futuro da música: “Vou fazer o lançamento da minha playlist!” (risos). Uma coisa que pouca gente sabe é que você também é produtor musical. Você se considera um produtor?

COSTA: Não, por que eu me ligo muito aos títulos e as palavras, sabe? Eu não gosto da ideia de ter fãs, por exemplo. Eu gosto de me dirigir a eles como “pessoas que gostam da minha música” ou enfim, outro eufemismo que exista pra palavra “fanático”, que eu acho assustadora. Sobre a questão do produtor, eu não me entendo como aquele cara que fala “Ah, você deveria deixar isso aqui mais comercial”. Gosto de dar ideias, por isso gosto de produzir pessoas que estão próximas, como se eu estivesse participando de uma parte muito importante da vida da pessoa, com uma ideia ou tocando algum instrumento. Agora essa coisa do produtor, que está num pedestal, que entende mais da dinâmica da coisa, eu acho que não, esse título não me atinge.

FDW: O que tem escutado atualmente? Indique o que quiser, desde seja bom.

COSTA: Beatles sempre funciona em qualquer momento. Eu ando escutando o que está chegando aí. Tem dois artistas que eu comecei a produzir que são ótimos. Um deles é o Reticente. Gosto muito da Martiscool também, até por isso a chamei pra cantar comigo. Milena Fernandes, que é um Folk-MPB de São Paulo. PEDRO, um amigo meu, grande músico e tive o prazer de ouvir exclusivamente o disco novo dele e está animal! Gosto muito da Lívia Mendes, que tem uma doçura muito ímpar na musicalidade dela. Internacional tem um banda que serve de inspiração pra muitos dos conceitos que eu acredito, sobre não se vender a uma indústria, entende? A mão invisível do mercado e tudo, que é o The Dear Hunter, do Casey Crescenzo, um compositor norte-americano. É uma banda que esta sempre comigo nos mais diversos momentos.

FDW: Tem alguma pergunta que eu não fiz que você quis muito responder? Se tiver, pode responder agora.

COSTA: Destrutivo.