Golden State: uma linda jornada de amor e espiritualidade
por Mateus Santos
Está tudo bem em ser falho e errar na maioria das vezes.
Você não está sozinho nessa.
Este provavelmente é o maior ensinamento de “Golden State”, novo álbum da dupla Radnor and Lee, com 11 músicas inéditas, que trazem uma mensagem universal, em tempos em que isso é bastante necessário. O primeiro disco do duo foi lançado em 2017 e tinha um clima de otimismo e diversão, como se fossem apenas dois amigos se juntando e colocando as canções de seus corações para fora – o que era ótimo. Agora, alguns anos depois, este segundo projeto é uma resposta não apenas ao sucesso estrondoso que os dois tiveram na América do Sul, mas também à vida dos dois e suas experiências pessoais. Em consequência, é um projeto um pouco mais sério ou com reflexões mais realistas, pelo menos.
Claro que as circunstâncias são bem diferentes por conta da pandemia, mas, de alguma forma mágica, isso torna o lançamento desse álbum ainda mais perfeito, justamente pela mensagem dele de que tudo nem sempre está bem, mas isso faz parte do processo. De algum jeito, vamos sair melhores de tudo isso.
Uma coisa não mudou: a dupla segue refletindo sobre amor, espiritualidade e percepções de mundo.
A música que abre o álbum, “Simple Harmony”, mostra bem toda a pegada das músicas seguintes e reflete sobre como, na maioria das vezes, não encontramos as respostas que buscamos – pelo menos não da forma que a gente pensa. “Everybody take a breath/This old earth depends on birth/As much as it depends on death” (na tradução livre: todo mundo respire um pouco/ Essa Terra depende do nascimento/ Tanto quanto depende da morte). Essa percepção é uma das grandes constantes no projeto: a de que nem sempre o destino é a coisa mais importante e, muitas vezes, nós nem sabemos o que há de acontecer no fim. Então a melhor coisa que podemos fazer é aproveitar a jornada.
O álbum também traz mensagens importantes sobre presente e passado e essa linha do tempo que chamamos de vida. Inclusive, na própria entrevista que fizemos com Josh Radnor e Ben Lee, antes da quarentena, isso foi mencionado. Ben disse: “eu tentei cantar músicas assim quando era mais novo, mas eu não conseguia. Eu parecia uma criança usando o terno do seu pai”.
A segunda música, “Outside In”, além de uma reflexão profunda sobre perceber a si mesmo e ao outro como mais do que apenas é mostrado na aparência, também fala sobre isso, sobre se olhar no espelho e não se reconhecer: seja por conta de atitudes que te afastam de quem você era ou simplesmente pela velhice se aproximando.
Uma das coisas mais legais das músicas de Radnor and Lee provém da relação que eles têm entre si e com tudo ao seu redor. Quando falou de espiritualidade na entrevista que fizemos alguns meses atrás, Josh Radnor afirmou: “para mim espiritualidade é simplesmente sobre honrar o não visto: intuição, consciência, emoção, pensamento. O mundo material é tão distrativo e viciante mas, a maior parte da vida, se você para pra pensar, está acontecendo internamente”. E isso é muito presente no disco.
A jornada espiritual de cada um é muito mais do que apenas no âmbito religioso, mas tem relação com tudo aquilo que as pessoas vivem e isso é refletido em Golden State. Na música “Ohio”, vemos como, na verdade, a cidade de Ohio não é o grande foco da canção, mas um meio para um fim. Qualquer lugar pode ser como Ohio, porque aquilo que nos une não é nossa localidade, nossa cor de pele ou nossa orientação sexual, mas nossa jornada. Todos estão em busca de alguma coisa e, nesta música, acompanhamos os sonhos de alguém de sair rumo à cidade grande. Em “Good Enough”, seguimos uma história de romance, que universaliza um sentimento comum: será que sou o suficiente para a pessoa que eu amo?
“Gimme Your Mess” é a música mais divertida do álbum e que traz à tona o Ted Mosby de todos nós (personagem interpretado por Josh Radnor na série de televisão How I Met Your Mother), retratando uma história de amor que vai contra todas as possibilidades. De uma forma leve e divertida, a canção reflete sobre pessoas que tentam fazer algo dar certo, mesmo com tudo dando errado.
“Down in the Dirt” fala sobre a impotência que todos nós sentimos às vezes. Retrata como todos falham, tentam estar no controle de situações que não conseguem controlar e como é difícil aceitar a derrota. É com certeza uma das canções mais belas do novo álbum e que te incentiva a pensar que cada falha, cada derrota e cada sofrimento te fez crescer e descobrir algo que só poderia ser descoberto naquele lugar. “The Thing About Grief” tem apenas um minuto de duração e uma inspiração clara em músicas dos Beatles. De uma forma divertida e leve, o duo fala sobre como todos esperam que o luto dure pouco e o sofrimento seja rápido – mesmo que não funcione assim.
“Greene Street” é uma das músicas mais interessantes do álbum e retrata basicamente Josh Radnor e Ben Lee observando pessoas em Nova York, em uma noite. Apesar de ser uma música mais pop, a canção também encaixa com os tempos atuais: pessoas dentro de casa, vendo pela janela outras pessoas, sonhando e desejando, mas que sentem como se o tempo estivesse paralisado.
As últimas três músicas têm um tom mais triste. “Resignation Song”, “Animal” e “Welcome to Our House” retratam muito a falha, tristeza, sentimentos escondidos, relacionamentos que não deram certo e solidão. Especialmente Animal, que talvez seja a melhor canção do álbum. O final do disco funciona como uma reflexão sem resposta. Richard Rohr, um espiritualista contemporâneo, diz que só aprendemos de duas formas na vida: por meio de um grande amor e de um grande sofrimento. Golden State é a culminação disso: um compilado de experiências boas e ruins – todas importantes para a construção do eu. Assim como toda a proposta espiritual: o destino nem sempre é o mais importante. Na verdade, na maior parte das vezes, a jornada é o destino.