O náufrago inverso de Johnny Fox

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Costumamos olhar o mar através da solidão: o náufrago que conquista existência sem ter os olhos dos outros por perto, o pescador que se concentra para capturar seu ganhapão, o viajante que busca autoconhecimento. Mas, quando isso passa, do mar só sobra união: cada partícula miúda de água se prende, firmemente, no braço de outra igual, e de outra e de outra e de outra. A formação do tácito tecido
aquático que, somente assim, sustenta a nau, o barco, o náufrago.

Mas mar tem a ver com pele: cada pedaço íntimo de pêlos e partículas que nos dão limite e proteção. A epiderme foi feita pra sentir, assim como o mar: A mão do outro é como um barco que navega, que toca e arrepia, que quando parte, só manifesta desejo de ir, cada vez mais, pra dentro do mar. Ou da pele. O disco “Águas”, mais novo trabalho do músico Johnny Fox, soa assim: um esfregar o mar, um navegar na pele.

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São obras como essa que, mesmo em uma audição desatenta, pulam em seu pescoço e não te desacompanham. A sonoridade, que beira o experimental e o lo-fi, entranhados com muita música brasileira e um bom folk, explodem felizes nas ondas sonoras que chegam aos ouvidos. Existem tantos detalhes no disco que é preciso mergulhar, como se fosse um mar. Ou uma pele.

A canção “Equilíbrio” tem toques magistrais, pois traça um trilho em que tem como caminho a emoção. A forma como Johnny Fox saboreia as palavras, os sons, o ar que existe entre uma palavra e outra, é profundamente belo. E a ruptura entre a sutileza da voz melódica e o momento marcado pelas batidas dos tambores é excepcional. Não engulam o choro: chovam à vontade:

A canção que fecha o disco, “Navegadora” também deve ser notada. Quando se ouve o trecho sobre lágrimas que limpam o meu corpo, é a hora exata de se desmoronar para poder se reconstruir. (aliás, as palavras de Samantha Capatti – parceira do músico – são um petardo sutil, como sempre). E assim, essas lágrimas que escorrem e limpam, podem ser as suas, mas por que não as do mar? Essa infinidade de lágrimas históricas, choradas entre partidas, chegadas, perdas e conquistas, que suportam e abraçam outras mais. Tanto o mar quanto a pele carregam histórias que jamais entenderemos.

O disco é uma experiência, que merece ser vivida internamente, num diálogo intransponível pra quem não seja nós. Mas suas reverberações ainda escorrem das paredes quando o silêncio conclusivo do álbum chega. E então paramos, sentamos e experienciamos novamente o mar, o disco, a pele, o texto: pois tudo é passagem, tudo é paisagem, tudo é bagagem.