Peter Oren com olhos de agora

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Nosso corpo existe no mundo: todas as coisas estão lá: sabemos muito bem onde começamos e onde terminamos. Mas, se pensarmos melhor, algo nos orbita: um serzinho inanimado, geralmente de cor preta, espelhado, consegue, sem nenhum tipo de fio, nos rodear. Como uma parte do corpo, mas exterior a nós. Como uma memória coisificada. A questão é essa: até que ponto aquilo é nosso ou nós somos daquilo? A caverna de Platão conseguiu se materializar em metal e íon-lítio.

Toda essa visão é muito bem apresentada, dissecada e remontada no último lançamento de Peter Oren, “The Greener Pasture”. Como um cronista do detalhe, ele aperta a ferida digital do mundo contemporâneo e usa uma metáfora que desloca os grandes centros: Como se as fazendas, geralmente vistas como passado, continuassem ainda em nós, mas agora no 2.0: smart-grilhões de apenas poucas gramas.

O disco discute afiado a sociedade ocidental e a numerização das pessoas, transformadas em consumidores sempre. Como uma rede que atualiza, a todo refresh, o gramado vizinho, ou um trecho dele: montado, posado, milimetricamente iluminado.

Capa de The Greener Pasture, ilustrada por Quintin Caldwell

A capa, que constrói uma fazenda com cercadinhos cheio de gado, parece inofensiva, mas repare nos cercados: seu formato e disposição de smartphones já nos anuncia o tema espinhoso do disco. Um comentário sobre conectar-se a uma rede e desconectar-se da fisicalidade do mundo: Quando tudo for smart, o que será do Humano, fadado à certeza de errar?

Destaque para a canção “Gnawed To The Bone (Come By)”, com um vídeo que mostra os meandros de alguém transformado em moeda. Um “dollar” que, nesse caso, se transfigura em um “do lar”. Abram-se:

Esse disco é dedicado ao ser humano, esse animal que se desconhece. Mas vai desse animal quebrar suas barreiras-telas para, enfim, se repensar. E Peter Oren contribui para a rachadura com letras que são como tramas de raízes que denunciam o gramado. E a arte, a arte esse profundo raio-x do agora.