Faixa a faixa: duo Horses & Joy comenta “Magnolia”
por Maísa Cachos
Tivemos o prazer de cruzar nossas linhas de posts com as das letras dos Horses and Joy em meados de 2017, ano no qual o duo lançou seu primeiro trabalho, o belíssimo EP “Sunflower Sessions”.
Na ocasião, a dupla formada por Beatriz Tucci e Felipe Duarte apresentava para o Brasil uma nova forma de jovens brasileiros fazerem folk, com inspiração profunda na música dos anos 60 e 70.
Enquanto no primeiro trabalho, o duo se mostrava minimalista, com destaque principalmente para a harmonização de vozes e melodias com base em seus violões, agora eles se aventuram na exploração de novos conceitos musicais. Isso acabou culminando, na última sexta, 7 de junho, no nascimento de “Magnolia”, seu primeiro álbum completo.
Composto por 11 faixas autorais, o disco foi produzido pela própria dupla, em parceria com Pedro Rui Von, do duo Devonts. Os dois violões e as harmonias vocais ainda são os protagonistas, mas aparecem mais maduros e acompanhados de outros instrumentos, como baixo acústico, guitarras e pianos.
Um fato curioso aqui é que eles quiseram manter a ambiência orgânica do trabalho anterior, por isso optaram por gravar as vozes e violões ao vivo, com a mínima interferência possível.
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A influência de duos tradicionais na música do Horses & Joy é algo notório. E para a produção deste trabalho, em específico, a referência principal foi o álbum “Bookends” (1968), de Simon & Garfunkel, que colocou “Mrs. Robinsons” nas principais paradas musicais dos EUA e Reino Unido.
É emocionante passear pelas faixas desse trabalho, observando letras e melodias de dois jovens confiantes no excelente trabalho que fazem. Remando contra a corrente do que estamos acostumados a ouvir no mainstream. Dá pra sentir em cada estrofe o cuidado com os arranjos, letras e harmonias. E, apesar de terem trabalhado a divulgação com o lançamento de quatro singles (“Trust”, “All the Earth”, “Tough Enough” e “Loners Way”), este é um daqueles álbuns construídos para contar uma história com início, meio e fim.
“O disco foi feito para ser escutado do início ao fim. As inspirações em ‘Bookends’ podem ser percebidas pelo fato de certas ‘frases’ musicais se repetirem durante o álbum. Gostamos muito de discos de vinil e é uma experiência diferente ouvir as obras do início ao fim, percebendo que as faixas têm uma razão de estarem em determinada ordem, ou em determinado lado. Quisemos resgatar essa ideia com ‘Magnolia'”, revela o duo.
Abaixo, vocês podem ouvir o trabalho na íntegra e ler um faixa a faixa no qual eles comentam um pouco sobre cada uma das canções.
“Arise”
Uma canção breve que inicia e introduz o conceito do disco, da forma mais vulnerável possível: apenas as duas vozes harmonizando. Apresenta uma mensagem de inevitabilidade dos ciclos da vida, e do poder que essa sabedoria tem de trazer paz e conforto, independentemente da situação. “Carry on, we will find a way”. A música termina com uma frase de violão que será lembrada em faixas posteriores do disco.
“Magnolia Tree”
A segunda música do disco introduz o baixo acústico (Tomás Oliveira), presente em praticamente todas as faixas. A letra traz a mesma relação abordada anteriormente entre o homem e a natureza. Com uma pegada mais agitada, conversa bastante com o folk rock das décadas de 60 e 70.
“Hold On”
Esta é a primeira música que apresenta uma letra mais romântica. A atmosfera feliz do acompanhamento de bateria (Denis Cruz) e viola se contrapõe a uma letra madura e, em certos momentos, triste. É uma música que fala sobre expectativas frustradas, e da importância de, apesar das adversidades, aguentarmos o que vier. “I’m just trying to make it through the day”.
“All the Earth”
Um dos quatro singles do disco, lançada em março de 2019. Começa apenas com um violão e as vozes harmonizando, retomando a simplicidade do folk finger-style do início dos anos 60, uma grande influência do duo. Mais uma vez, é retomado o tema da relação com a natureza. Essa atmosfera bucólica é acentuada pelo baixo acústico tocado com arco e pela comparação do eu lírico com um pássaro que voa sem medo em direção ao mar, dando um ar de “trilha sonora de viagem” à canção. “All the Earth” é uma celebração à liberdade selvagem.
“Trust”
O primeiro single do disco, lançado em fevereiro de 2019. Mais uma vez, a letra, apesar de romântica, foge do idealismo inocente. É sobre a sobrevivência do amor apesar das mudanças inevitáveis da vida, e de como um relacionamento amoroso pode ultrapassar superficialidades e impulsionar o crescimento pessoal individual de cada um, se existir confiança e paciência com o outro. A guitarra com slides destaca o arranjo musical da faixa.
“Eyebrows, Cheek and Chin”
Mais uma canção romântica, exaltando que o amor está nos detalhes (literalmente, os detalhes do rosto da pessoa amada). A letra fala sobre uma pessoa que está com medo de que suas dificuldades no crescimento pessoal afastem seu companheiro(a). Destaque para o solo de Hammond de Victor Rolfsen.
“Tough Enough”
Também single do disco, lançada em abril de 2019. Talvez a faixa mais diferente do conjunto da obra. A atmosfera nos lembra o velho-Oeste, e conversa com “Younger Years”, do duo Milk Carton Kids. As guitarras com tremolo e percussões contribuem para criar esse clima. A letra fala de superação de expectativas, de como é ser uma pessoa subestimada e que, mesmo assim, consegue ser forte o suficiente e surpreender.
“On and On”
É a canção que quase foge à regra do protagonismo das vozes e violões. O piano (Victor Rolfsen) tem grande destaque e entra equilibrado em uma faixa sóbria cuja letra traz a temática da honestidade como liberdade em um mundo de aparências. “Life can be more than wearing masks on and on”.
“Growth”
Faixa com bastante energia, revelando influências principalmente de country. Mais uma vez, a letra traz o tema da inevitabilidade dos acontecimentos da vida, e de como é importante a habilidade de continuar crescendo com honestidade, apesar das dificuldades do cotidiano. Muitas vezes, pedimos por situações ideais (“I’m looking for a place, I’m looking for a time”) e não conseguimos perceber a beleza das situações reais em que nos encontramos (“This is the right place, this is the right time”).
“Except Maybe the Rain”
A música começa a nos levar para o final do álbum. Apesar da atmosfera leve, a letra traz uma profundidade que conversa com a faixa subsequente (que encerra o disco). Carrega um grau de decepção e realidade, contrapondo-se às outras faixas com temática sobre crescimento pessoal, mais otimistas.
“Loners Way/We’ve Got Much Love”
Lançada de forma reduzida como single, em maio de 2019, intitulada apenas como “Loners Way”. Uma das faixas mais profundas do disco, traz uma temática pesada tanto sobre o medo da solidão, quanto sobre a valorização desses momentos. A letra trata do “loners way (caminho dos solitários)” quase que como um espaço realmente físico a que as pessoas solitárias são destinadas – conversa com a ideia de “Home of The Blues”, de Johnny Cash. Após o solo de guitarra, somos apresentados ao final do disco. “We’ve Got Much Love” tem sua letra repetida diversas vezes, em coro, como um mantra. Assim como “Arise” nos introduziu ao conceito do disco, agora ouvimos repetidamente uma frase que o sintetiza. Depois de todas as relações – com nós mesmos, com outras pessoas, com a natureza – o que resta é o amor que temos. E o amor que temos e que damos aos outros, uma vez nos foi dado. Fim (ou começo?) do ciclo.