Bruce Springsteen conta histórias que poderiam ser suas no belo disco “Western Stars”

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Entro no carro pela manhã para ir em direção ao trabalho e como de costume ligo o rádio na estação local. Está tocando uma música que eu ainda não havia escutado, aumento o som e fico aguardando a confirmação do radialista ao final da canção: “Essa foi “Western star” a nova música do Bruce Springsteen ou se preferir “The Boss”!  Uol, penso alto… Preciso ouvir esse disco! E no meu intervalo para o almoço daquele mesmo dia no inverno de julho, ouvi o disco todo.

Mas vamos ao início: não espere aqui um texto sobre a carreira de Springsteen, pois não sou um profundo conhecedor de sua obra. Aliás, de todas as lendas da música folk/rock, Dylan, Cash, Neil, Bruce foi último a me “pegar” no ouvido. Gostava de músicas isoladas, uma aqui outra ali, mas não de um disco todo. Até que em 2019, essa maravilha de álbum chamado “Western Stars” me abraçou bem forte e não largou mais. É aquilo que sempre digo: um disco, um livro, um filme, chega até você no momento em que está pronto para absorver o seu conteúdo. Peço desculpas ao Bruce, eu ainda não estava preparado para ouvi-lo do início ao fim.

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“Western Stars” me atingiu porque é estradeiro. Trata de histórias bem narradas por Bruce sobre espíritos aventureiros, inquietos, que experimentam as dores da vida mas que olham para frente e entendem os ciclos, que sentem solidão e exploram a sua “solitude” – dois estados diferentes de se estar só. Não é preciso ter ouvido todos os discos anteriores do cantor para entender a nostalgia que cabe neste, basta escutar as pinceladas de country vintage que pinta a maioria das músicas. Músicas rebuscadas com violão, cordas, banjo, órgão e metais. Cada instrumento sendo colocado sensivelmente em cada uma das canções.

O álbum começa com “Hich Hikin'” e a carona inicia através dos tantos personagens que o disco retrata. É um pedido de carona que quer ir de encontro a clareza e que no decorrer das histórias do álbum nos leva por paisagens tipicas do interior e daquelas estradas sem fim. Gosto da troca que a letra da música oferece: “Estou pegando carona o dia todo…mapas não fazem muito por mim, eu sigo o tempo e o vento… (um) Homem de família me dá carona, tem a sua grávida Sally do lado…(e depois)…Caminhoneiro acelera o seu motor, diz “Suba filho, eu sou a estrada limite…” São cenas de um caroneiro que vai encontrando diferentes pessoas pela estrada. “Hich Hikin'” é o ponta pé inicial para amarrar várias histórias e mostrar o ponto em comum entre todas elas: as lutas internas.

O personagem de “Tucson Train” aguarda a chegada de seu amor na estação, tal personagem quer mostrar o quanto mudou, é um reencontro do seu antigo e novo eu: “O trabalho duro vai limpar sua mente e seu corpo, o sol vai queimar a sua dor…eu estou esperando na estação, eu esperarei toda a criação de Deus, só para mostrar que um homem pode mudar…Agora, meu amor está chegando no trem de Tucson”.  Já a história da faixa título “Western stars” é comovente, fala sobre um ator esquecido pela mídia, lembrado por seus poucos minutos de fama e obrigado a fazer propaganda de viagra (isso mesmo) na TV para sobreviver. O gatilho para mim aqui é o outro: o que fazer quando a vida que planejamos simplesmente não aconteceu? Um arranjo nostálgico de cordas serve como pano de fundo da história.

“Chasin’ wild horses” como o próprio nome já diz, trata daquilo que embora difícil, precisamos domar. O personagem aqui, um laçador de cavalos, carrega um passado de arrependimentos em busca de novos sonhos. “Hello Sunshine” é contemplativa, abre caminhos mais positivos do que o restante dos “causos” contados no álbum. Um homem que entende a sua vontade de caminhar sozinho e quer que essa boa sensação perdure. “Você sabe que eu sempre gostei dessa estrada vazia, nenhum lugar para estar e milhas a percorrer… Olá Raio de sol, você não vai ficar?”. O piano aqui, embala a canção. 

Finalizar o disco com “Moonlight Motel”, resume toda essa viagem. Trata de um homem já mais velho retornando a um antigo motel onde se encontrava com a sua amada. A conotação não é sexual, é como olhar pela janela e ver as lembranças que o trouxeram até aquele momento. Uma reflexão bem colocada de forma simples na comparação do passado/presente: “Agora a piscina está cheia de vazio…dentes de leão crescem pelas rachaduras do concreto…cercas de arame enferrujadas com um aviso que diz: crianças tomem cuidado! Seu gosto de batom e seu segredo sussurrado, eu prometi que nunca contaria…sua respiração em meu ouvido no ‘Motel Luz do Luar'”.

Somos carregados de histórias. Nossas linhas de expressão e marcas no rosto na verdade formam um mapa dos lugares emocionais por onde estivemos. Passamos por tantas chegadas e despedidas, tristezas e alegrias, dores e prazeres, tudo o que é tipicamente humano. E Springsteen, no alto de seus quase 70 anos nos presenteia com um belo disco country/folk, orgânico, bem construído e direcionado aos espíritos que sabem ouvir. “Western stars” é o melhor disco lançado no ano passado. Me perdoem todos os outros grandes artistas, mas chegar em um álbum como este, não cabe a outra pessoa. Depois que ouvi essas histórias, Bruce Springsteen passou a ser um de meus narradores favoritos. Música de qualidade e causos da vida real. Minha vez de pedir carona.